Opinião de Carlos Serrano Ferreira
Para um estrangeiro, a atual crise política confirma a frase de Tom Jobim de que “o Brasil não é para principiantes”. A crise política deve ter seu clímax no dia 17, quando está prevista a votação no plenário da Câmara dos Deputados do processo de impeachment. Se aprovado por dois terços, seguirá para o Senado, onde por maioria simples levará ao imediato afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT) por até 180 dias, até a decisão final pelos senadores, sendo necessários dois terços para o afastamento definitivo.
O processo parece simples, mas outros elementos o complicam. Como a enorme fragmentação partidária, com 17 partidos no Senado, 25 na Câmara, e divisões internas que tornam o resultado final imprevisível. Contudo, o mais surpreendente é que apesar da corrupção estar sob investigação da chamada operação “Lava-Jato”, que trouxe à tona as ligações ilícitas entre grandes construtoras, a Petrobras, e políticos – tanto do governo, como da oposição – não há nenhuma denúncia concreta contra, exatamente, a presidente Dilma. Diferentemente de seu vice, Michel Temer, presidente nacional do PMDB, maior partido no Congresso Nacional e que rompeu com o governo no último dia 29. A situação é particularmente curiosa, pois caso se torne presidente, passaria a não ser mais investigado, pois constitucionalmente não poderia ser responsabilizado por atos não relacionados ao exercício do mandato.
Outra figura de destaque é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). Ele é acusado de receber propina de 5 milhões de dólares para viabilizar, sem licitação, a construção de dois navios-sonda da Petrobras; ocultação de contas na Suíça; e, é citado no escândalo dos “Panama Papers”. O início do processo foi uma vingança pessoal pelo apoio do PT à continuidade de seu processo de cassação.
A peça jurídica contra a presidente Dilma é, no mínimo, frágil. Isto não pode mascarar a existência de uma forte rejeição popular à Dilma, derivada principalmente pela crise económica que atinge o país e o descumprimento de promessas eleitorais. Os governos do PT frustraram as expectativas de seus eleitores de reformas profundas. No entanto, o Brasil não é parlamentarista. A deposição de uma presidente, apenas pela vontade de parlamentares, é subversão da constituição, e uma ameaça à normalidade democrática. Nem mesmo se for bem-sucedido este processo porá fim à crise política. Segundo pesquisa do Datafolha, há um apoio de 58% ao impeach-ment de Temer e de 77% à cassação de Cunha.
O mais preocupante é a herança que este processo deixará. Há um processo de fascistização da classe média, que tem levado a ataques violentos a indivíduos que vestem vermelho e a sedes sindicais, e o crescimento do apoio a um golpe militar. A jovem democracia brasileira viverá nos próximos dias seu maior teste.
– Professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Carlos Serra no Ferreira