Drone quase colidiu com avião de passageiros no Algarve

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A 1500 metros de altitude, com o céu limpo e a apenas 20 km do destino, os pilotos sobrevoavam o sul algarvio no passado domingo confiantes que daí a cinco minutos colocariam no chão ‘sem solavancos’ os quase 200 passageiros embarcados em Bruxelas. Com a pista à vista e já sintonizados na frequência com os controladores aéreos de Faro, acertavam as últimas indicações para a descida quando o inesperado aconteceu e o sobressalto invadiu o cockpit do Boeing 737-800 da Ryanair.

Um pouco antes de Luz de Tavira, a calma na voz do comandante subitamente desapareceu e através das ondas de rádio ouviu-se num inglês apressado: “Acabámos de cruzar com um drone incrivelmente perto da asa direita.” Treinados para reagir de forma automática, os pilotos reportaram as coordenadas do local e mesmo a mais 400 km/h conseguiram ver que o pequeno aparelho era encarnado e terá estado a apenas 30 metros de uma das asas. Na prática, a dois ou três segundos de uma colisão se subitamente perdesse o contacto com o comando em terra.

A tarde estava a começar, eram precisamente 14h41, mas para aqueles tripulantes da irlandesa Ryanair ‘o dia estava feito’. A ocorrência aeronáutica, tal como a proximidade de aviões com aeronaves não tripuladas, é tecnicamente classificada, foi imediatamente comunicada pelo controlador ao supervisor que estava na sala do Controlo de Tráfego Aéreo no Aeroporto de Faro, os responsáveis aeroportuários avisados e as forças de segurança no local acionadas, procedimento que a NAV, encarregada do espaço aéreo civil, fez “por iniciativa própria porque nada está escrito em Portugal que a tal obrigue”, afirmam os responsáveis.

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Dali para a frente pouco ou nada mais podia ser feito. Ficou apenas o susto para quem estava no avião. A PSP no aeroporto e a GNR nas imediações até podiam ter meios disponíveis no momento para tomar conta do caso e sair à procura do ‘piloto’ do drone, mas ainda não existem regras específicas sobre a presença destes equipamentos no espaço aéreo nacional e nada mais poderiam fazer do que apelar ao bom senso do utilizador.

Na torre do aeroporto de Faro, no entanto, os controladores não deram o drone por ‘aterrado’. Nas 72 horas seguintes, neste caso como mandam as regras da aviação, notificaram as autoridades aeronáuticas competentes: a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) e o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA).

“O GPIAA e a ANAC monitorizam as ocorrências e esperam pela lei que permitirá atuar, incluindo as forças de segurança, aplicando coimas por exemplo”, explica o diretor da entidade de investigação, Álvaro Neves. Para já, existem apenas circulares de informação aeronáutica sobre utilizações potencialmente perigosas para o voo “que abrangem também este tipo de aeronaves (não tripuladas) em zonas em que existem restrições à utilização do espaço aéreo”, salienta a autoridade aeronáutica civil.

Os registos, oficiais, dão conta de 17 ‘intrusões’ desde 2014. Os relatos de pilotos que do cockpit avistam mais do que apenas o céu não são muitos, mas são cada vez mais. Os quatro cruzamentos entre drones e aviões em 2014, aumentaram para sete em 2015 e em 2016 são já seis, quase sempre na área de Lisboa. Em abril um avião comercial passou 50 metros abaixo de um drone quando vinha de Madrid para a capital e em junho há outra ocorrência em que a separação entre aeronaves com e sem piloto não foi além de 150 metros.

“Há equipamentos à venda em grandes espaços comerciais por 400 euros e que voam a 900 metros de altura”, afirma o responsável do GPIAA, salientando que “o grande problema está em quem faz fotografia aérea e não tem qualquer registo”. Os drones são mais sofisticados, logo mais perigosos para as restantes aeronaves. Estes operadores necessitam de autorização da Autoridade Aeronáutica Nacional, da Força Aérea Portuguesa, mas quem prevarica não avisa que o vai fazer.

Pilotos criticam regulador

“Falamos há anos dos perigos associados aos drones e a ANAC nada faz. Os drones são uma tecnologia que está para ficar e que pode ser muito útil para a aviação mas são necessárias regras porque o impacto com uma aeronave não tripulada, mesmo que pequena, pode ser muito sério”, critica Miguel Silveira, presidente da Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea. E além da lei, deverão ser tomadas outras medidas. “Deve ser feita uma campanha de informação e de sensibilização junto das entidades e das populações relevantes para as potenciais consequências da utilização indevida”, sugere o Gabinete de Segurança de Voo da TAP.

O normativo específico aguardado esteve até recentemente em consulta pública, “recebeu mais de uma centena de contributos e a ANAC encontra-se neste momento a concluir a análise no sentido de introduzir alterações ao projeto inicial e de conclusão da versão final que será aprovada”, adiantam os responsáveis. Se não sair da rota traçada, a lei (ver caixa ao lado) deverá ter luz verde em setembro. Mas a ‘descolagem’ da legislação será feita com alguma ‘turbulência’.

“O diploma virá reforçar o que está publicado pelos organismos internacionais, a Organização da Aviação Civil Internacional e a Agência Europeia para a Segurança da Aviação, mas vem tarde e é branda. Devia exigir registos, matrículas e outros dados de identificação dos drones e dos operadores já que vão coabitar com aeronaves tripuladas”, defende Álvaro Neves, da GPIAA.

No plano técnico, há quem defenda que as aeronaves não tripuladas devam ter dispositivos que permitam a sua identificação nos radares e pelas restantes aeronaves. Por exemplo, um transponder. O sistema permitiria aos controladores aéreos ‘verem’ os drones e aos aviões comerciais alertarem, de forma sonora, os respetivos pilotos quando a proximidade é demasiada — à semelhança do que acontece com o sensor de estacionamento dos automóveis.

Segurança pressionada por negócio de milhões

A responsável pelo controlo aéreo das aeronaves não se pronuncia. “Constituindo uma matéria do Estado, não é da competência da NAV pronunciar-se sobre a legislação enquanto prestador de serviços que executa a sua missão”, explicam. E a convivência entre aeronaves não tripuladas e tripuladas no mesmo céu é, de facto, um tema sensível.

“As aeronaves não tripuladas são o futuro e um negócio que vale muitos milhões, portanto, estamos a falar de economia e mais nada e a legislação vai de encontro ao crescimento da indústria dos drones”, garante Álvaro Neves. Ou seja, “a parte económica está a pressionar as entidades de segurança e o desafio é permitir o crescimento do negócio sem pôr em risco a segurança aérea e isto não é fácil.”

Artigo publicado na edição do Expresso de 27 de agosto de 2016

Vera Lúcia Arreigoso (Rede Expresso)

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