Clientes ‘lavaram’ 99,7 milhões de euros no ‘Monte Branco’

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Não é em nomes como o de Maria José Rau que se pensa quando se imagina a composição de uma lista de clientes de Francisco Canas, o “Zé das Medalhas” da Baixa de Lisboa, suspeito de colocar elevados montantes de dinheiro no estrangeiro e um dos principais arguidos do caso ‘Monte Branco’. “Percebemos que ele era a pessoa que facilitava a saída e entrada de dinheiro do país”, admite a ex-secretária de Estado da Administração Educativa do segundo Governo de António Guterres.

Atual membro do Conselho Nacional da Educação, Maria José Rau é um dos nomes que constam da referida lista de Francisco Canas, a quem terá entregado cerca de 246 mil euros. “Tratava-se de uma herança de família”, explica a antiga inspetora-geral da Educação, que há dois anos terá regularizado a sua situação fiscal junto do Banco de Portugal. A ex-governante não foi constituída arguida neste megaprocesso de fraude fiscal e branqueamento de capitais, investigado pelo Ministério Público desde maio do ano passado.

O cambista – em prisão domiciliária desde dezembro, depois de sete meses de prisão preventiva – movimentaria várias contas bancárias em Portugal e no estrangeiro e era o homem certo para colocar verbas elevadas fora da mira do fisco.Emtroca, cobraria umpor cento dos depósitos pelas operações financeiras ilegais. A loja de moedas Montenegro Chaves, na Rua do Ouro, serviria de fachada para um esquema de evasão fiscal e branqueamento de capitais.

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Francisco Canas, 72 anos, tinha uma lista de clientes. Dela constam 180 nomes de pessoas e empresas e um total de 99,7 milhões de euros em transações, entre 2007 e 2012. O Expresso não sabe se esta lista coincide em absoluto com os nomes que estavam registados num computador de Francisco Canas que foi apreendido pelos inspetores tributários.Mas onze do total de 40 nomes contactados pelo Expresso – figuras públicas e cidadãos anónimos – admitem ter recorrido aos serviços de Francisco Canas.

“Conheço o Canas desde miúdo e o meu pai também já o conhecia. Sou amigo dele,” conta Manuel Vilarinho, ex–presidente do Benfica – e que, segundo a lista, terá entregado 422 mil euros, divididos em duas tranches. “Não sei quanto dinheiro lhe entreguei. Socorri–me do Canas porque o dinheiro é meu e não é proibido pô-lo lá fora. É melhor do que entregá-lo a estes tipos do Governo”, protesta Vilarinho, que garante ter regularizado a situação com o fisco, ao abrigo do Regime Extraordinário de Regularização Tributária (RERT), uma amnistia fiscal lançada pelo Governo para captar capitais não declarados depositados no estrangeiro.

Construção civil no topo

Na extensa lista há nomes de código, aparentemente indecifráveis, como ‘peles’- que aparenta ser a designação para um determinado empresário deste ramo – ‘disco’ ou ‘timber’. Há também clientes identificados apenas pelo apelido.

E ainda nomes de figuras públicas, como é o caso de Medina Carreira, que em dezembro do ano passado desmentiu publicamente conhecer Francisco Canas, depois de buscas realizadas ao escritório no âmbito do caso. Outros nomes sonantes que surgem na lista negam ao Expresso ter tido qualquer tipo de relação financeira com o cambista.

“Não percebo por que razão o meu nome aparece nessa lista. Se tivesse esse dinheiro que me é atribuído, teria comprado um carro topo de gama”, afirma um chef de renome. “Não sou eu, deve ser alguém com o mesmo nome que eu”, garante também um conhecido empresário do meio desportivo.

Já o leiloeiro Francisco Cabral Moncada, investigado pelo DCIAP, admite: “Conheço o Canas e tive negócios com ele”. O esquema do dono de um dos maiores antiquários do país passava pela venda de obras de arte valiosas a clientes franceses. Os compradores faziam o pagamento através de uma conta do cambista. E o antiquário levantava o dinheiro em Lisboa. Era como se o negócio nunca tivesse existido.

Moncada não foi constituído arguido.

Ao contrário de José Carlos Gonçalves, um construtor civil de Alenquer que no final do ano passado ficou em prisão domiciliária no âmbito deste processo. Segundo esta listagem, terá sido o principal cliente de Francisco Canas, tendo movimentado quase 19 milhões de euros.

Raul Soares da Veiga, advogado de José Carlos Gonçalves, não respondeu a qualquer das tentativas de contacto do Expresso e não esclareceu se o cliente se encontra ainda detido em casa.

No topo da lista do cambista encontram-se outros nomes ligados à construção civil e ao imobiliário, como o de um administrador da Bento Pedroso Construções/ Odebrecht. A administração confirma que “na manhã do dia 6 de dezembro, verificaram-se diligências judiciais na sua sede, em Oeiras”. Revela ainda que a empresa, considerada uma das mais importantes deste sector, “colaborou ativamente” com as entidades e “colocou à sua disposição todos os meios, tendo prestado toda a informação solicitada”. Nenhum responsável foi constituído arguido.

José Roque de Pinho, um ex-gestor bancário que fez carreira na Suíça, surge também no extenso rol de nomes: “Conheci o Francisco Canas há alguns anos. Vendi-lhe e comprei-lhe moedas quando vivia no estrangeiro. Mas não me recordo de valores.” A crer na lista, as transações terão atingido quase meio milhão de euros. Valor que para Roque de Pinho não faz qualquer sentido.

“Não fui eu, com toda a certeza. Ele pode ter trocado os nomes, não sei. O nosso negócio era o das moedas.”

E Duarte Lima?

Uma das coisas que os investigadores têm tentado perceber é qual o grau de cumplicidade entre Francisco Canas e duas empresas de gestão de fortunas suíças com sede em Genebra, a Akoya Asset Management e a Arco Finance, cujos gestores são considerados suspeitos e foram constituídos arguidos. Na lista, o papel da Arco Finance parece ser mais relevante do que o da Akoya.

E o seu gestor, Ricardo Arcos Castro, surge em quinto lugar, ao lado de uma quantia de €4,3 milhões, muito acima dos 287 mil relativos à empresa de Michel Canals e de Nicolas Figueiredo.

A defesa de Ricardo Arcos Castro prefere não fazer comentários às informações contidas no documento, mas o Expresso sabe que houve ligações comerciais entre os dois homens, que terão aliás ligações familiares. Mas o valor indicado na tabela Excel não é, no entanto, confirmado por uma fonte ligada ao processo: “É demasiado dinheiro, um exagero. Os contactos entre eles estão bem documentados pelo Ministério Público.” Entre os 180 nomes da lista não se encontra o de Duarte Lima, embora haja linhas em branco que podem corresponder às movimentações feitas entre o advogado e o cambista. Segundo a acusação do MP no caso da alegada burla ao BPN (que se cruza com o ‘Monte Branco’ e vai a julgamentoemmaio), o ex-líder da bancada parlamentar do PSD terá transacionado com Canas perto de três milhões de euros desde 2007.Adefesa de Duarte Lima nunca respondeu ao Expresso.

Os procuradores apuraram que Lima terá feito chegar à loja da Rua do Ouro, através de um familiar, vários cheques que eram depositados numa conta do Montepio Geral em nome de Francisco Canas. O dinheiro seria depois transferido de outra conta de Canas no BPN de Cabo Verde para outra Suíça, em nome de Duarte Lima. Tudo sem deixar ra

Texto publicado no Expresso de 13 de abril de 2013

RE

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