25 de Novembro. O culminar inevitável de tensões e confrontos

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Salgueiro Maia, um dos capitães de Abril já falecidos, numa imagem da época

A 25 de Novembro de 1975, paraquedistas da Base Escola de Tancos ocupam o Comando da Região da área de Monsanto, a Escola Militar da Força Aérea e mais cinco bases aéreas. Detêm o tenente-coronel Aníbal Pinho Freire e exigem a demissão de Morais da Silva, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea. A ação dos paraquedistas é de imediato considerada pelos militares ditos moderados (Melo Antunes, Vasco Lourenço, Ramalho Eanes…) como uma possível preparação para um golpe de Estado, oriundo das fações mais radicais da esquerda, para intervir militarmente e controlar o país.

Ao mesmo tempo, o Regimento de Artilharia de Lisboa posiciona-se no Aeroporto de Lisboa e no Depósito de Material de Guerra de Beirolas, a Escola Prática de Administração Militar ocupa a RTP e a PM a Emissora Nacional. São todas forças conotadas com a Esquerda Militar e com a esquerda revolucionária ( Vasco Gonçalves, Otelo Saraiva de Carvalho…).

Para lhes fazer frente, o Regimento de Comandos da Amadora, associado aos moderados, cercam o Emissor de Monsanto, e a emissão da RTP é transferida para o Porto. É decretado o estado de sítio na região de Lisboa pelo Presidente da República General Costa Gomes. Ramalho Eanes, então Tenente-coronel, adjunto de Vasco Lourenço e futuro Presidente da República, mantém controlada a situação e não avança sobre quaisquer unidades, mesmo pressionado pelos militares de extrema direita.

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Vasco Lourenço, então ao comando da Região Militar de Lisboa, dá ordem de prisão a vários militares associados às forças políticas de esquerda revolucionária, mas também a moderados conotados com o PS e o PPD, que se assume terem conspirado na preparação do golpe militar.

O chamado “Grupo dos Nove”, oficiais das Forças Armadas de Portugal, liderados por Melo Antunes e pertencentes ao MFA de tendência moderada, e as forças políticas e militares do Centro Direita, controlam a situação.

Estes são os factos e ocorrências que tornaram histórico esse dia. Mas o antes e o depois são momentos tão ou mais relevantes no processo constitucional de Portugal e na definição da sua democracia. É assim que Maria Inácia Rezola, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, com vários livros publicados sobre este capítulo da recente história do país, olha o golpe militar de 25 de Novembro.

GOLPES E NÃO GOLPE

“Não lhe chamaria o golpe, falaria antes dos golpes”, afirma. “Sabemos na prática que as ações militares começam com a ação dos paraquedistas, com a ocupação das bases, com os desenvolvimentos no Palácio de Belém, sabemos como é que os Comandos respondem após terem a ordem de Costa Gomes. Mas a grande questão é o que afinal fez sair os paraquedistas? E nessa pergunta que tem múltiplas respostas e múltiplas interpretações, vamos encontrar vários golpes e vários 25 de Novembro”, assume, tomando uma posição de historiadora que valoriza acima de tudo a contextualização dos acontecimentos.

“Não conseguimos explicar o 25 de Novembro sem termos em conta o que foi a Revolução de Abril, e sobretudo a Revolução a partir das eleições para a Constituinte, do Verão Quente e do outono escaldante de 1975. Em rigor, há uma sucessão de episódios que culminarão nesse confronto final que é o 25 de Novembro. Mas durante o Verão Quente há já mobilizações de todos os lados. Sabemos que o grupo dos ditos moderados, o grupo de Ramalho Eanes, já estava a preparar um plano militar. Uns dizem que é um plano de ataque, eles dizem que é um plano defensivo contra a eventualidade de um golpe de esquerda. Depois, a partir de finais de setembro e do assalto à Embaixada de Espanha, há uma sucessão de episódios de tensão, parecendo que cada um quer que o outro seja o primeiro a sair, na perspetiva de que o primeiro a sair vai perder. E são essas provocações permanentes que culminam no 25 de Novembro.”

À PROCURA DE UM MODELO DEMOCRÁTICO

Para Maria Inácia Rezola, o enquadramento destes acontecimentos não pode deixar de ser visto à luz do PREC (Processo Revolucionário em Curso), nem pode dissociar-se de uma vontade de poder por parte das várias forças políticas que ainda defendem diferentes modelos democráticos a seguir ao 25 de Abril. “Há vários projetos políticos possíveis. O programa do MFA é um programa vago com multiplicas aplicações. Há várias democracias. Se pensarmos em 1974/75, temos a democracia cubana, a democracia socialista soviética, a democracia do Norte da Europa… São essas diferentes formulações da democracia que podiam ser aplicadas. E como estava tudo em aberto e havia perspetivas diferentes quanto ao futuro político do país, essa luta é na prática em torno de modelos: modelos políticos, económicos, sociais, defendidos pelas várias forças políticas e militares.”

CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS E MILITARES

A historiadora defende três consequências políticas e militares imediatas e evidentes após o 25 de Novembro. À primeira chama-lhe “clarificação”, ou seja, “o motivo por que ainda hoje é difícil falar do golpe militar, pois é uma história de vencedores e de derrotados”. Uma clarificação que, continua, se dá “ao nível da esfera do poder e na correlação de forças”.” Aquilo a que nós por comodidade de expressão chamamos os gonçalvistas e os copconistas, a extrema esquerda e a esquerda militar e civil, são anulados, são afastados dos centros de decisão.”

Surge então a segunda consequência do golpe militar. “Este fenómeno de afastamento da extrema esquerda tem um contraponto: a tendência para uma caça às bruxas, uma tentativa de aniquilar e de fazer tábua rasa a tudo, inclusive a história que os sucessivos pedidos de legalização do PCP traduzem. A célebre intervenção de Melo Antunes a 26 de novembro, que foi também reforçada por outros militares do Conselho da Revolução, afirmando que o PCP era fundamental para a democracia portuguesa, no sentido de que ela tem de ser pluripartidária, foi uma decisão corajosa com muitas vozes a contestá-la”.

Finalmente, a terceira grande consequência será a necessidade ou a exigência de rever o célebre pacto MFA, a Plataforma de Acordo Constitucional. “Em abril de 1975, antes da realização das eleições tinha sido assinada uma plataforma de acordo constitucional que deveria ser consagrada no texto constitucional e que condicionava os trabalhos da constituinte, onde se definiam quais eram os órgãos de soberania, quais eram os poderes do Conselho da Revolução, etc., e que condicionava sobretudo uma submissão do poder civil ao poder militar. Com o 25 de Novembro os civis já não querem essa subalternização do poder civil em detrimento do poder militar, não querem mais a supremacia do poder militar. É essa a consequência imediata do 25 de Novembro e que vai culminar em fevereiro na segunda plataforma de acordo constitucional.”

O PASSO SEGUINTE

Depois do 28 de novembro, o grande confronto torna-se entre o Conselho da Revolução e as forças político-partidárias. Essa transferência completa de poderes da esfera militar para a esfera do civil, que depois terá a sua tradução na Constituição de 2 de abril de 1976. “A revisão do pacto é um passo fundamental nesse sentido e depois a situação clarifica-se totalmente com a aprovação da Constituição e com a realização de todas as eleições, legislativas, presidenciais, autárquicas. E encerra-se o círculo na consolidação democrática em finais de 1976.”

A INEVITABILIDADE DO GOLPE

Tendo em conta a forma como o processo revolucionário decorreu, Maria Inácio Rezola acredita que só através destes confrontos distintos se poderia consolidar o processo constitucional português. “Era inevitável. Houve um acumular de tensões desde o primeiro momento, começando pela questão da descolonização, que era inevitável que uns tinham que ganhar e outros que perder. Ou seja, o que fica patente a partir do verão de 1975 é que a conciliação era impossível.”

A POLÉMICA CELEBRAÇÃO DO 25 DE NOVEMBRO

“Parece-me um pouco absurdo que, num momento em que deixamos de comemorar e de assinalar no nosso calendário o 5 de Outubro, se comemore o 25 de Novembro que não se compreende sem se entender todo o processo revolucionário. Acho que é uma utilização política da História, indevida e descontextualizada. Não faz sentido falar autonomamente do 25 de Novembro muito menos celebrá-lo. A grande questão nesta tentativa de recuperação de uma excessiva importância do 25 de Novembro é um aproveitamento político abusivo de uma história de vencedores e de vencidos. É muito importante que se recordem os momentos, é muito importante que as pessoas tenham consciência do que se passou, mas não se pode manipular nem extrapolar os acontecimentos.”

[Texto publicado na edição de dia 24 de novembro do Expresso Diário]

Alexandra Carita (Rede Expresso)

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