Um País sem pão e a abarrotar de desigualdades sociais
O País volta a regressar às ruas, desta vez não apenas pela inspiração e pelo sofrimento das fábricas e das oficinas, teia rasgado após o 25 de Abril até que acertássemos o passo com a democracia e num tempo em que os governos não duravam mais que meia dúzia de dias e caíam como «guerreiros baralhos de carta», mas também à terrível emigração com contornos emocionais e sociais imprevisíveis.
Todavia, precisamos de recuar ao começo da década de cinquenta para nos reencontrarmos com panoramas muito iguais, onde tal como agora, a fome e a miséria era quem mais ordenava.
Não vamos agora testar os graves e dolorosos incómodos do Estado Novo, da Polícia Política, do mundo e da Europa então a sair dos escombros da guerra, permitindo por isso o nosso não alinhamento, o que funcionou como uma clara alavanca – com a indústria conserveira a impor-se perante a Europa – e um novo fôlego para a economia. Contudo, mesmo que nos esforcemos para acreditarmos que os tempos são outros e por isso mais estranho o estado a que isso chegou, é um facto que nessa época havia trabalho (no rigor do inverno trabalhava-se três dias por semana) e comprava-se tudo fiado, isto é, pagava-se quando se recebesse.
Na escola primária os alunos da segunda classe, andavam na mesma turma dos alunos da quarta, enquanto que os sindicatos distribuíam roupa e alimentos, obviamente pelos mais carenciados.
Apesar da força da polícia política e os «bufos sindicalizados» – que agora também existem – não nos remetíamos ao silêncio e procurávamos vencer um adversário sem balizas e que também nos obrigava a jogar num severo campo inclinado sempre contra o povo.
Jamais acreditei que todos os sonhos que Abril nos trouxe nos fossem roubados e ficassem na posse dos mesmos de sempre, numa clara humilhação a quem trabalha, numa dolorosa forma de opressão, tão nefasta e desumana como os dias da (outra) ditadura…
Jamais acreditei que os sofrimentos então vividos pela minha geração, ressuscitassem mais de cinquenta anos depois, trazendo à memória um país empobrecido, chicoteado dos seus direitos sociais, mendigando uma sopa, esticando a mão pedinte em busca de um gesto que lhe permita comprar uma côdea.
É preciso que os «bem na vida» e muitos deles e delas, nada mais fizeram que entrar nas longas carruagens do oportunismo e desta forma – até trabalhando muitos menos anos – conseguiram reformas tão poderosas como manhosas, sofram um abalo de consciência e apregoem também a sua revolta, longe dos holofotes partidários, em nome de uma consciência de cidadania agora amordaçada, para que mais que nos preocuparmos com o epicentro, sabermos apontar o dedo acusador a quem provocou esta devastação que não é de agora, e que nada mais faz que nos humilhar.
Num País a abarrotar de graves desigualdades e dramáticas injustiças sociais, não existem conflitos sociológicos e ideológicos, quando aparecem os que pintam no manto que nos roubou todos os sonhos: Ao estado a que isto chegou, o Estado Novo parece uma criança a gatinhar, porque este não pode ser o País que vive oprimido pela ponta da faca, e só vai ficar na memória dos homens dos outros povos, como um País onde se passa fome e tudo se tira a quem nada tem.
Até a reforma miserável…
*Sou contra o novo acordo ortográfico