FRANCISCO AMARAL*

LP
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Colaboradora. Designer.

 Senhora Senhorinha 

 

Nos idos anos de 1985 conheci a Sra. Senhorinha, por indicação da Professora Célia. Tinha eu iniciado a aventura de organizar a primeira Feira de Artesanato de Alcoutim. Era na altura vereador da oposição. Entendia (e entendo ainda hoje) que ser vereador da oposição não é para “chatear ou mandar bocas”, mas sim para “vergar a mola”. As minhas férias, o meu carro, a minha gasolina, ao serviço da comunidade. Assim é que é bonito. E estimulante.

Depois de um “forte” estímulo de um vereador do poder instituído – “Realizar uma feira de artesanato? Isso é uma estupidez, já não há artesanato nenhum, não vale a pena, é tempo perdido e dinheiro gasto” (textualmente) – ganhei ainda mais alento. Agradeci logo o “estímulo”. O outro vereador, também do poder, não sabia o significado da palavra artesanato e chamava-lhe “sarnato”. Enfim, mãos à obra! Calcorreei com o meu “carocha” montes e vales, descobrindo artesãos e artesanato. Tudo genuíno. Uma grande parte desconhecidos do público em geral. O Sr. Gonçalves, cadeireiro, das Madeiras. O Sr. Veríssimo, também cadeireiro, do Fortim. O Sr. Marta, cesteiro de palhinha, do Fernandilho. O Sr. Henrique, que fazia miniaturas em madeira, também do Fernandilho. O Sr. Ramos, que fazia artigos de cana, da Alcaria Queimada. O Sr. Tomás, sapateiro, de Giões. O Sr. Eugénio, que fazia miniaturas, de Martim Longo. O Sr. Virgílio, latoeiro, do Pessegueiro. O Sr. Faustino, das Cortes Pereiras, fazia esparrelas em miniatura. Os pescadores Raimundo, de Guerreiros do Rio, e Ti Emídio, de Alcoutim, etc., etc.

E nos Penteadeiros fui encontrar a Sra. Senhorinha e o Sr. Manuel Lopes. A Senhorinha no tear e o Sr. Lopes, na sua plantação de linho. Nunca tinha visto tal. A simpatia do casal irradiava. O entendimento entre eles era perfeito. A explicação das atividades, pormenorizada. A demonstração altamente profissional. Fiquei encantado. E acima de tudo a argumentação para os convencer a ir à feira foi desnecessária. A resposta foi imediatamente “Vamos!”. A maior parte dos outros disseram “só vamos porque é o Sr. Dr., senão não íamos”. Dizia-lhes “mas é para vosso bem, vimos busca-los, fazem a demonstração e o vosso negócio e ainda recebem pela vossa presença”. Bem, a maioria vinha fazer o favor ao Sr. Dr. de vir à feira…

Não foi nada fácil organizar as primeiras feiras de artesanato. A ajuda monetária do IEFP foi de primordial importância. Contei com a ajuda dos jovens OTL (Ocupação dos Tempos Livres) e dos amigos de Alcoutim, onde pontificava o João Manuel, o José Tiago, o Abílio e outros.

Mas o casal Gonçalves salientava-se pelo à vontade, pela simpatia que irradiava, pelo seu ar dócil. Apetecia sempre abraçá-los no peito, tal o carinho que despertavam. Sempre com um sorriso nos lábios. Nunca os vi zangados ou mal dispostos. Porventura, lá na vida deles tal aconteceu. No fundo, o “ex-libris” do artesanato da serra algarvia. Representavam o município de Alcoutim em vários eventos no Algarve, em Lisboa e fora do país também. Em qualquer feira que participassem, eram uma atração.

O monte dos Penteadeiros foi sempre muito visitado por turistas que queriam ver ao vivo o casal. A Senhorinha foi a enterrar ontem e com ela uma parte do artesanato do nordeste algarvio.

Obrigado Senhorinha, pelo que foi, por tudo o que fez pelo artesanato, por Alcoutim e, acima de tudo, pela simpatia que irradiava, pelo ar dócil e frágil, que apetecia sempre abraçar, como o fiz muitas vezes, e apertadinho, como aperta agora a saudade de o fazer de novo.

 *Presidente do Município de Alcoutim

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