Opinião de Carlos Figueira
Já se sabia que não iria ser fácil mudar a página da austeridade e das políticas que lhes estão associadas. Impostos sobre rendimentos do trabalho, cortes de salários na administração pública, diminuição de ajudas sociais, diminuição do valor das pensões.
Foi neste quadro em benefícios de facilidades fiscais para fundos de investimento, ou de dinheiro publico para pagar desmandos na gestão da banca à custa de cortes no sistema público de saúde, na educação, ou em políticas de desenvolvimento do País e de apoio a pequenas e médias empresas, que vivemos durante estes quatro anos, com as consequências que todos conhecemos.
Falência da classe média, desemprego, emigração. Regresso à casa dos pais e dos avós repartir, o que de pouco existia, humilhação, desespero.
Mas, de súbito, a atender no que nos continuam de súbito a debitar em jornais e televisões, em comentários e entrevistas, este mundo apesar de ainda estar tão próximo, parece não ter existido.
Está montado um monumental embuste que nos anuncia todos os dias por diferentes protagonistas da anterior coligação PSD/CDS primeiro, face a uma proposta inicial de Orçamento e, após o decurso de negociações com as instâncias europeias o seu conteúdo ter evoluído para, embora crítica, a sua aceitação pela EU, para uma proposta de Orçamento de Estado a ser discutida na Assembleia da República.
Todavia, apesar de tais compromissos obtidos continuamos perante um cenário de catástrofe com origem, raízes e apoios, a que chamaria uma espécie de “Internacional de Centro Direita”, ancorada e articulada em apoios do centro direita a cujo Partido Popular, PSD e CDS pertencem, formação política que dispõe de larga maioria nos órgãos da União Europeia, realidade a que não faltou o encontro entre o inefável Paulo Portas e o senhor Junker Presidente da Comissão Europeia.
É nesta situação e com tais protagonistas que nos encontramos. É com este modo de fazer política e defender os interesses do País que nos confrontamos e por conseguinte, será útil ter presente que, em substituição de um curvar de espinha perante a sra. Merkel, apesar de todas as dificuldades que o País não deixou de enfrentar, fomos capazes de defender o que se considera melhor, com opinião própria, num virar ténue de página, mas em cujo horizonte se pode vislumbrar a tentativa de abrir um novo caminho.
A proposta de Orçamento que está em discussão não repõe todas as injustiças praticadas durante quatro anos de extrema e violenta austeridade que atingiram trabalhadores, classe média baixa e centenas de pequenas e médias empresas. Haverá, suponho, ajustes que poderão ainda ser contemplados em discussões de especialidade. Mas é visível o esforço que foi feito para contemplar os acordos com o PCP, Bloco e Verdes e esses dirigem-se a beneficiar os sectores mais pobres e desamparados da sociedade, fazendo pagar à banca, aos supérfluos de luxos, e à actividade especulativa associada ao imobiliário, os beneficiários da austeridade impostos à maioria, a fatia de uma carga de impostos para suportar a despesa em reposição de benefícios sociais.
O caminho não é fácil, exige sentido de responsabilidade e permanente negociação. É na compreensão da exigência destes tempos que à esquerda, creio, nos temos de situar. Porque, eventualmente, só assim se criarão condições para um virar de página maior nos próximos tempos.
Carlos Figueira