VAI ANDANDO QUE ESTOU CHEGANDO

Partimos já muito depois da hora que tínhamos marcado para enfrentar uma viagem de 650 km até Madrid, situação agravada pelo facto dos nossos vizinhos terem uma hora a mais que a nossa, o que não parece, mas faz toda a diferença.
A viagem cumpria dois objectivos: visitarmos a exposição dos 100 anos de Guernica,  presente no Museu Rainha Sofia, e proporcionar à Irene o desfrutar do convite endereçado pelo seu irmão para juntos, fervorosos apoiantes do Atlético de Madrid, verem no Calderon, ao vivo, o jogo da segunda mão da meia final da Champion, contra o Real.
A partida tardia levou-nos a interromper a viagem já em plena Extremadura, porque a fome já se anunciava desde a alguns há muitos quilómetros. Paramos em Zafra povoado medieval da província de Badajoz, com um centro histórico bem tratado, limpo e sem trânsito. A informação que tínhamos obtido nesta coisa da Internet levou-nos para um restaurante muito recomendado e de facto não deu para nos arrependermos. Principiamos com uma perdiz desossada numa salada em molho vinagrete, para acabarmos num lombo de vitela, grelhado no ponto, oferecido pela qualidade de uma carne de origem autóctone, proveniente da Cáceres, que se comia como manteiga. Assim nos recompusemos para atacar o resto da viagem.
Resolvemos guardar a visita a vários museus que inicialmente passearmos por Madrid, ao sabor dos passos sem pressas. Para nos dias seguintes visitarmos a terra de Cervantes, Alcalá de Henares, o que nos proporcionou uma visita guiada à Universidade, mandada construir no século XIV inserida num projecto tão original como visionário, já que a par da Universidade se construíram em simultâneo dezenas de colégios destinados a preparar os futuros universitários. Também ficamos a saber que esta Universidade a par com a de Coimbra são as duas que na Europa foram distinguidas pela UNESCO como Património da Humanidade. Terra de boa comida de assaduras fortes de boa carne, antecedido de molejas de cordeiro.
Acabamos por conselho de família por visitar Chinchón um pequeno povoado que tem na praça medieval em terra batida, envolva em terraças apalaçadas de arquitectura popular, na qual nos dias dos seus festejos, é cercada para dar lugar a corridas de touros com animais que saiem para a faena a partir do edifício da Camara Municipal onde, nesses dias, ficam instalados os curros. O que não deixa de ser curioso em simultâneo com o facto deste povoado também ser conhecido pela produção de alhos, certificados pela EU, cujos dentes e cabeças são de uma dimensão descomunal, na devida proporção, a poderem ser comparados com a armadura dos touros.
Após estas incursões voltamos aos museus porque, tendo ficado mesmo para o final a Rainha Sofia, ainda demos uma espreitadela no Thyssen onde visitamos uma exposição proveniente do Museu de Arte de Budapeste. Interessante porque para além da representação da pintura Húngara ,que não conhecíamos, incluía no seu espólio o que de melhor a Europa tinha dos impressionistas franceses. Tivemos tempo ainda, para mim sendo completa novidade, uma visita ao Museu Sorolla, impressionista, o maior de Espanha, o pintor da luz, curiosamente com ligações a Ayamonte.
Finalmente o Rainha Sofia numa exposição que tinha como centro o célebre quadro de Picasso mas titulada “Piedade e Terror em Picasso a Caminho de Guernica.” O quadro representa o horror de um bombardeamento de um pequeno povoado espanhol pela aviação alemã. A guerra civil estava perdida, com a derrota dos republicanos e a ascensão ao poder do ditador Franco. A demonstração de força anunciava os tempos seguintes com a invasão da Europa pelo exército nazi, ocupação só travada pelos ingleses dada a capitulação do governo francês e do outro lado da então União Soviética. O quadro para além da denuncia da barbárie, é justo dizê-lo, também contem sinais de luz e esperança.
A retrospectiva que compõe a exposição contempla obras de Picasso a partir dos anos trinta. Para trás ficava o período rosa e azul. Em exposição estavam a decomposição de corpos, a criação de monstros, horror, medos. Os estudos que levam à obra final são desse ponto de vista de um interesse enorme porque representam o caminho percorrido pelo autor, até ao quadro Guernica. São também a representação do percurso de que cada um de nós, humanos, que albergamos, dentro de nós próprios, o gosto da vida bem vivida, ou a crueldade e o horror com que também a pratica. Para constraste lá estava “A Bailarina“ o quadro que segundo o autor foi por ele o melhor pintado. A representar a alegria em contrapor ao horror e aos medos, à decomposição de corpos que marcava este ciclo da exposição, na qual também nos faz regressar ao  medo da nossa própria morte, no percurso de vida de cada um e, nesse sentido, singularmente, a exposição, a vivência do espaço, contraditoriamente, alivia a tensão deste dilema que se nos cola à pele.

Carlos Figueira
[email protected]

NB: Defendo que o aeroporto de Faro se passe a chamar aeroporto do Algarve
Manuel Teixeira Gomes

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