Um olhar sobre a Europa de hoje…

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Colaboradora. Designer.

No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, e ainda com o espectro dos horrores desta bem presente, alguns dos países mais atingidos juntaram-se em função dos seus interesses imediatos para evitar que a escassez de bens no contexto europeu originasse novas disputas que pudessem conduzir a uma nova guerra. Foi assim que se formou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Esta comunidade congregou um muito apreciável volume de interesses comuns que, em vez de se disputarem, passaram a falar a uma só voz, beneficiando assim de vantagens no mercado mundial. Foi assim que esse grupo foi crescendo e diversificando os seus interesses e, com a evolução política da própria Europa, veio a desembocar na atual União Europeia.
A Comunidade de 6 países (Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França, Alemanha e Itália) inicialmente criada à volta do carvão e do aço resultou, cerca de sessenta anos depois, numa União política a 27 (seriam 28, não fora a presente saída do Reino Unido da União). Claro que os objectivos se foram modificando e alargando, tornando-se por isso também mais difusos, sendo hoje difícil para o comum dos mortais entender muito bem o que é verdadeiramente a União Europeia. Podemos circular sem passaporte e quase livremente por essa Europa fora, podemos fixar residência e obter emprego sem mais problemas em qualquer um destes países e utilizamos essencialmente a mesma moeda. Até parece que vivemos num mesmo país, mas a verdade é que os salários, as regalias e a segurança social são muito diferentes de estado para estado, não há uma diplomacia comum e, sobretudo, não há uma dívida comum (embora a moeda o seja). Pode parecer lógico que cada um tenha a sua dívida mas o facto de termos uma moeda que não controlamos impede-nos de utilizar a sua desvalorização para equilibrar as contas do Estado (a desvalorização, dificultando importações e tornando as exportações mais competitivas, contribui para poupar ou obter divisas estrangeiras e assim diminuir o peso da dívida). A impossibilidade de utilização deste mecanismo obriga a diminuições drásticas nos salários e a aumentos igualmente drásticos nos bens essenciais e nos impostos, penalizando quem vive do seu trabalho mas resguardando quem muito tem de seu. Foi o que se viu nas intervenções sobre a Irlanda, a Grécia, Portugal e Malta onde (quase) todos vivemos agora pior mas onde, por exemplo, o número de carros de alta cilindrada e alto preço subiu, durante esse período, vertiginosamente. É também verdade que as faraónicas dívidas espanhola, belga, francesa e italiana, com uma ou outra justificação, se safaram (algo inexplicavelmente) de mais drásticas e explícitas intervenções das estâncias internacionais, denunciando que há mesmo dois pesos e duas medidas, bem como outras formas de resolver a questão. A realidade é que uma União que começou por ser de interesses corporativos (até se chamava “Económica” em todas as suas versões anteriores) nunca fez a verdadeira transição para a anunciada União Cidadã.
Veja-se como o Brexit não está, pelo menos para já, a provocar saídas em massa de cidadãos, mas já provocou a deslocalização de centenas de empresas, bancos e fábricas (ou das suas sedes) e está a fraccionar o Reino Unido. Repare-se que a insegurança sobre o futuro estatuto da Catalunha no contexto europeu já provocou a saída de 3000 sedes de empresas desta região mas, quanto a cidadãos, nada se passou. Por outras palavras, à existente Europa Económica não se juntou uma nova Europa dos Cidadãos e estes sentem-se pouco envolvidos na sua construção. O que se sentem para já é frustrados, desiludidos e desmotivados para qualquer objetivo comunitário. A questão é que não sabem para que lhes serve e ainda menos para onde vai esta União.
Contudo, em minha opinião, a EU é bem mais importante hoje que quando tudo começou. A União Europeia continua a dizer muito mais respeito às empresas que aos cidadãos e o que está mal não são os cidadãos, mas a resposta política da própria União! Vislumbro aqui algumas das raízes destes novos radicalismos supostamente islâmicos. Se repararmos, a maioria dos “radicalizados” são cidadãos de origem islâmica, é certo, mas europeus de (pelo menos) segunda geração. Durante muitos anos (e em circunstâncias bem mais adversas, como o foram os processos de descolonização), a raiz religiosa não constituiu motivo de especial tensão ou preocupação. Foi com o advento desta Europa sem nexo nem direcção ideológica clara que os jovens se tentaram virar para realidades historicamente mais ancoradas. Uns, viraram-se para radicalismos de direita, nacionalistas e mesmo nazis.
Recordo, como exemplo marcante, o assassino norueguês de uma centena de jovens democratas. Outros, normalmente originários de estratos mais baixos e socialmente muito mal integrados, viraram-se para as religiões e os preceitos dos locais de origem dos seus progenitores, como tábua de salvação. A distância (quer intelectual, quer física) relativamente a estas realidades e à própria mensagem corânica levaram-nos a um entendimento superficial e parcial e por isso radical dos seus preceitos, transformando-os em seres facilmente captáveis para práticas de violência cega e gratuita. Ou seja, à falta de reconhecimento da sua própria identidade e dignidade pessoal e étnica por parte da sociedade em que se deveriam inserir, responderam estas camadas de jovens com violência exacerbada e cega, tão cega e exacerbada quanto a rejeição a que tinham sido sujeitas as suas simples e legítimas aspirações. O fenómeno não é novo: recordo as batalhas campais dos anos 60 no Reino Unido (quem ainda se lembra dos “rockers”, dos “mods” e dos “teddyboys”?), nos Estados Unidos (os “rockabilly”, de que o “West Side Story” é um célebre ensaio sobre o tema) ou na Holanda (à época, os “provos”), para citar somente estes. Só que então a globalização ainda não tinha acontecido e o que acontecia na Grã-Bretanha permanecia britânico, o que acontecia na América permanecia americano e o que acontecia na Holanda permanecia holandês. Hoje, qualquer evento salta da sua localizada origem inicial para a escala planetária em horas, transformando-o num evento global.
É assim que vejo, aqui explicado de uma forma necessariamente breve, o atual fenómeno dos vários fundamentalismos em presença na Europa (e no Mundo). É por isso urgente que, em vez de nos armarmos até aos dentes, como querem Trump e as ideologias belicistas, construamos a Europa dos Cidadãos, baseada em princípios humanistas e de respeito mútuo! Embora reconheça que, em alguns casos, esta lógica humanista já chega tarde, acho que o objectivo último da sociedade deverá ser sempre a integração e o respeito mútuo. Sabe-se sempre como começa uma guerra, mas nunca se sabe como acaba e por isso é preferível a paz! Construamos a Paz. Ela depende de todos nós, seus primeiros e últimos beneficiários!

Fernando Pinto


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