Toda a história do ator português detido em Paris por suspeita de terrorismo

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Heitor Lourenço na série da RTP “Bem-Vindos a Beirais”

Pouco faltava para as 20h. Heitor estava tranquilamente sentado no seu lugar, dentro de um avião da Transavia que iria descolar do aeroporto de Orly, em Paris, com destino a Portugal. Na mesinha à sua frente colocou o iPad, abriu-o e começou a ler um livro com imagens e escritos tibetanos. Aquele era “um tempo morto” e uma excelente oportunidade para ele, que é budista e tem pouco tempo livre, aproveitar para fazer meditação. Ou melhor, isto foi o que pensou, mas os acontecimentos seguintes iriam trocar-lhe as voltas.

Tudo aconteceu na passada terça-feira, demasiado rápido e sem lógica aparente. Em poucos segundos, a calma que pretendia alcançar com a meditação seria entrecortada por uma grande agitação. O avião foi evacuado e Heitor Lourenço, de 47 anos, teria que seguir, com os restantes passageiros, para o exterior – mas assim que pôs os pés nas escadas do avião, foi detido por dois agentes da polícia.

“Sentia-me desconfortável, tinha os olhos de todas as pessoas postos em mim”, recorda ao Expresso. E não era por ter sido reconhecido como ator e protagonista da série da RTP “Bem-Vindos a Beirais”, mas porque alguém o denunciou.

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Seria então levado para a esquadra do aeroporto. “Os polícias não foram brutos, mas agarravam-me com força”, conta. Afinal, era suspeito de “práticas que fazem a apologia do terrorismo” e foi tratado como tal. Heitor Lourenço não se recorda das palavras exatas, mas o conteúdo da denúncia não seria muito diferente deste, explica. “Disseram-me que estava a ler o Corão e a usar expressões que envolviam ‘bombas’, ‘morte’, explosão’.”

Grande confusão

Já na sala de interrogatório (sem relógio, telemóvel, óculos – tudo isto lhe fora tirado), ficou a saber que ficaria detido pelo menos durante 24 horas. Sozinho e sem possibilidade de comunicar com a família, Heitor começou a ficar apreensivo. Sabia que todo aquele aparato “não fazia sentido”, mas não lhe tinha passado pela cabeça que pudesse estar envolvido numa situação destas.

“Inicialmente [os agentes] mostravam-se inflexíveis”, conta. “Perguntaram-me se estava a ler o Alcorão e se o tinha lido em voz alta. Perguntaram-me qual o conteúdo do que lia. Se tinha bebido nas últimas horas, se sabia árabe, se estava sob efeito de medicação…”.

À medida que ia respondendo às perguntas (“tentava manter uma postura calma, ter até algum humor…”), o equívoco começou a desfazer-se. Especialmente quando lhes pediu para pesquisarem o seu nome na internet e os fez perceber que não estava a mentir quando dizia ser um ator português. “A certa altura, um dos polícias ficou ainda mais aflito que eu: ‘O que nos foi calhar!’, dizia. ‘Este homem é conhecido. Isto é tudo uma confusão!'”

Passou cinco ou seis horas detido até conseguir provar o mal-entendido, evitando assim pernoitar na esquadra. No final, todos acabariam a noite a rir da situação caricata e Heitor teria ainda a oportunidade de conhecer o homem (“um pai novo, preocupado com a segurança da sua família”) que o denunciou.

“Ele percebeu mal o que eu estava a ler (confundiu isso com conteúdo do Alcorão) e, como pessoa preocupada nos dias de hoje, fez a denúncia”, desculpa assim o ator, justificando a sua atitude com a instabilidade que hoje se sente face à ameaça do terrorismo. Dois dias depois, continuam a falar ao telefone e Heitor garante que ficaram amigos.

Apesar de perceber as motivações que levaram “este novo amigo” a avisar a tripulação do avião, o ator português reconhece que esta foi motivada por um preconceito. “Abrir um livro que não tem uma temática cristã, europeia, e ser denunciado por isso revela um certo preconceito, sim”. Mas considera que este é o reflexo da sociedade em que vivemos, na qual o crescimento da ameaça terrorista pode levar a um reforço das medidas de segurança. E não deixa de levantar uma questão: “Onde acaba a segurança e começa o preconceito?”

RE

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