Testemunho de um médico: “Abandonei o Hospital de Faro por frustração profissional”

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Brazão Costa defende que o Serviço Nacional de Saúde precisa de “uma verdadeira reforma”, que é preciso “afastar do sistema os economistas e gestores não médicos” e “devolver aos profissionais de saúde as suas ferramentas”

DOMINGOS VIEGAS

Brazão Costa chefiava o serviço de ortopedia do Hospital de Faro quando, no topo da carreira, decidiu abandonar a prática clínica no serviço público de saúde, por “frustração profissional” e por perceber que “o Estado falhava no assegurar o direito à proteção na saúde”.

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O médico ortopedista esteve recentemente na manifestação “contra a degradação” do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que aconteceu junto ao Centro de Saúde de Vila Real de Santo António, e explicou que decidiu juntar-se aos utentes, como utente, para “tentar ajudar a criar condições económicas, sociais e culturais, no Algarve, que permitam voltarmos a ter um SNS universal, geral e gratuito”.

“Longe vai o tempo em que o SNS era motivo de orgulho, de confiança e de satisfação para os utentes e para os profissionais. Hoje, depois de anos de política de direita, temos o descalabro. Regressámos às mezinhas caseiras, aos conselhos terapêuticos das vizinhas, do endireita ou do bruxo”, lamentou.

Brazão Costa explicou que abandonou o Hospital de Faro para deixar de “ter que dar a cara num serviço e não conseguir tratar os doentes a tempo e como deve ser, com as listas de espera para consultas, para exames e para cirurgia sempre a aumentar”. Mas também por trabalhar durante anos “num hospital sempre dirigido por políticas, e políticos, com desígnios alheios ao progresso e missão da medicina”, já que os médicos “tinham deixado de contar na organização de prioridades e na gestão da saúde”.

As críticas do ortopedista, à forma como funciona atualmente o SNS, vão ainda mais longe: “Percebi que trabalhava num sistema de saúde voltado para o negócio das parceria público-privadas à custa do SNS, dos utentes e do aviltamento dos profissionais de saúde. Percebi que faltam segmentos importantes. Percebi que era impossível ter uma relação qualificada com os utentes. Percebi que tinham roubado as ferramentas da profissão médica. Roubaram-nas aos médicos e roubaram-nas aos doentes”.

Numa altura em que o Governo de António Costa promete novas medidas para tentar alterar a situação e melhorar o atual sistema público de saúde, Brazão Costa recorda que é preciso avançar com “uma verdadeira reforma do SNS”, a qual continua por fazer. E considera que as “reformas parcelares” dos cuidados primários, da rede de serviços de urgência ou de transporte de doentes críticos, bem como as “reformas isoladas” nos cuidados hospitalares “não resultarão”.

“Faltam médicos e enfermeiros de família. Faltam técnicos paramédicos enquadrados em carreiras profissionais. Falta redefinir o conceito e abrangência de cuidados primários face aos cuidados terciários e secundários. Falta organizar a possibilidade de acesso, 24 sobre 24 horas”, considera.

O médico ortopedista disse ainda acreditar que o atual ministro, que “é médico especialista em saúde pública e não vem da banca”, poderá dar uma ajuda. E recorda que, para já, mais do que meios humanos e materiais, é preciso “devolver aos profissionais as suas ferramentas” e “afastar do sistema os economistas e gestores não médicos, facilmente atraídos pelo engodo privado, para voltarmos a ter uma economia em saúde com um dos melhores rácios custo/benefício”.

Brazão Costa considera ainda que é necessário apostar e investir na formação contínua dos profissionais, bem como devolver aos serviços a sua função de análise e melhoria de metodologias diagnósticas e terapêuticas. “É preciso respeitar as ciências médicas, a começar pela saúde pública, na estruturação e reorganização de um verdadeiro SNS”, defende.

(Notícia publicada na edição semanal e impressa do Jornal do Algarve de 03/03/2016)

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