Táxis ilegais: uma comichão ligeira que virou urticária

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Quando começaram a aparecer, há três ou quatro anos, não passavam de uma comichão ligeira. Mas à medida que começaram subitamente a proliferar, tornaram-se numa verdadeira urticária para os taxistas, que já não sabem o que fazer.

Que o diga Paulo Abrantes. Dono de um veículo de gama alta, um dos 80 táxis de turismo a operarem no Algarve, está cansado de ficar literalmente à sombra da bananeira, enquanto dezenas de monovolumes de transfers acorrem aos resorts e aos hotéis para efetuarem serviços que antes eram assegurados por táxis. “A lei é clara, mas não há fiscalização”, protesta. Paulo largou um emprego na banca para investir numa atividade que pensava mais dinâmica e mais lucrativa. E assim foi, durante uns tempos. Mas desde há três anos, começou a estranhar o aumento de carrinhas de sete e nove lugares por todo o Algarve, identificadas como transfers de aeroporto. A partir daí, foi sempre a descer.

Estes veículos, concebidos para transferir passageiros de e para os hotéis, estão protegidos pela lei desde que o serviço que asseguram esteja incluído num pacote de férias. A lei inibe no entanto as agências de viagens ou de eventos de agirem como táxis, isto é, para efetuar apenas um serviço de transporte. Os táxis – de turismo ou não – são obrigados a disponibilidade permanente, independentemente das horas, algo que os transfers obviamente não precisam de assegurar. Por outro lado, são ainda obrigados a ter meios de cobrança alegadamente rigorosos, como taxímetros (ou tabelas, no caso dos de turismo), enquanto os transfers estão limitados ao pagamento contra fatura diretamente à agência de viagens e nunca ao motorista.

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A realidade é diferente: as minivans praticam preços abaixo dos táxis – um táxi cobra €36 entre Vale do Lobo e o Aeroporto, enquanto as vans podem cobrar €24 – e muitas cobram diretamente os serviços. Acresce que, como a maioria dos passageiros não são nacionais e não precisam de comprovativo, passam ao lado da emissão de fatura, omitindo essa receita. Segundo Paulo Abrantes, da cooperativa de táxis de turismo “Algarve T”, muitas vezes são os rececionistas dos hotéis que facilitam este tipo de transporte, contactando diretamente as transportadoras. “As direções dos hotéis fecham os olhos porque pagam ordenados baixos e esta é uma forma de os rececionistas andarem mais satisfeitos”, avança o taxista.

Contactado pelo Expresso, um dos rececionistas – que solicitou anonimato – negou a prática e adiantou que os transfers são contactados “porque os táxis não estão muitas vezes disponíveis de imediato”. Algo que Paulo reconhece, sobretudo na época de verão. “Nós, na Cooperativa, somos 59 táxis. Mas se eu quiser pedir mais um alvará, não mo dão porque dizem que não existe atividade económica que o justifique, por isso somos aparentemente poucos. Certo é que estamos parados, enquanto os transfers não param de transportar pessoas ilegalmente e ninguém faz nada.”

Para o Presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos do Algarve, Elidérico Viegas, a verificarem-se situações do género serão a exceção e não a regra. “Para os hotéis é mais um serviço que se presta, que eles aproveitam. Os hotéis não são polícias”, afirma. E conclui: “Obviamente, se os hotéis tiverem conhecimento que as receções contratam serviços que não estejam legalizados, não tenho dúvidas que porão cobro a isso”.

Desidério Silva, presidente do Turismo do Algarve (ERTA), também admite que possa existir um problema, mas garante que não é da sua alçada. “É preciso combater a falta de segurança, a ilegalidade e a fuga ao fisco para que a economia algarvia cresça. Mas a ERTA tem dificuldade em imiscuir-se em áreas que não são da sua competência”, defende.

Segundo dados do Registo Nacional de Turismo, o número de agências de viagens não para de aumentar, em contraciclo com a crise. Em janeiro estavam registadas 1303, a nível nacional. E em agosto, já eram 1449. No Algarve, saltaram de 210 para 262, um aumento de 25% que contrasta com o número de táxis, que tem tendência a diminuir.

A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) garante estar atenta e ter reforçado os recursos disponíveis, em particular no Algarve durante o período estival. Em julho deste ano, empreendeu uma operação de fiscalização na região algarvia, com vista à deteção de situações irregulares. Na estrada, dezenas de veículos de transfers foram fiscalizados e os passageiros questionados sobre a forma como tinham contratado o serviço, com a ajuda de tradutores. Contactada pelo Expresso, uma das intérpretes confirmou que a maioria havia solicitado um táxi na receção do hotel e que iria pagar em dinheiro ao motorista, algo punível pelo decreto-Lei n.º 251/98 com coimas que ascendem até €15.000. “Nessa ação, só uma em cada dez das carrinhas estava legal, ou seja, com o voucher do cliente”, garante o taxista da Algarve T. “O voucher tem de ser eletrónico e tem de andar junto com a fatura, emitida com antecedência”, assegura Paulo Abrantes, ostentando um parecer jurídico da ANTRAL, a associação do setor. Mas contactada pelo Expresso, a ASAE apenas confirmou quatro infrações por falta de licenciamento de atividade: “Em nenhuma destas ações foi detetada qualquer irregularidade quanto à prestação de serviços de transporte de passageiros que prestam serviço de táxi, estando registados como empresas de agências de viagens ou de eventos”.

Os taxistas, obrigados a ter uma carta de condução específica e formação no caso dos táxis turísticos, não se conformam ao verem as notas a passar de mão à margem do Estado. E dizem-se a definhar com a concorrência desleal.

Apesar da ação da ASAE, os transfers sucedem-se às dezenas no Algarve, em pequenos serviços, como transporte para a praia ou restaurantes, respondendo às chamadas dos turistas. Dois irlandeses, em Vale do Lobo, confirmam ao Expresso que chamaram diretamente a carrinha que os transportou, pouco se importando se se trata ou não de um táxi. “É um transporte e usamos todos os anos, quando cá vimos”, contam. Pagam em cash. Enquanto isso, as autoridades continuam mais focadas nas infrações de trânsito do que em questões de exercício de atividade, até porque parte das competências que eram da ASAE nesta matéria passaram agora para o Instituto da Mobilidade e Transportes, que delega por sua vez a fiscalização nas autoridades rodoviárias PSP e GNR. Paulo, taxista há sete anos, não vê um final feliz para a sua história. E até já admite, ele próprio, abrir uma agência de viagens e abraçar, com indignação e a contragosto, a economia paralela.

RE

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