Outra boa notícia – a edição fac simile evocativa do Pentateuco concluído por Samuel Gacon em 30 de junho de 1487, na sua tipografia de Faro e, ao que se conhece, o primeiro incunábulo impresso no País. É um símbolo e com força mas que arrasta uma triste história. E é um símbolo com força não por se tratar de uma obra religiosa mas por ter feito de Faro a cidade pioneira da tipografia portuguesa, embora sem continuidade. É justo saudar a engenhosa parceria entre Manuel Brito da editora Sul, Sol e Sal, e o Círculo Teixeira Gomes na pessoa de Paulo Neves, para a celebração da efeméride – passaram 530 anos.
O simbólico Pentateuco de Gacon fez parte dos 3.000 livros roubados em Faro, em 1596 por Robert Devereux, 2º. Earl of Essex, conhecido como playboy da rainha Elisabeth I. Os livros pilhados integravam a valiosíssima Biblioteca do Bispado do Algarve. Feito o roubo e regressado ao seu país, esse conde de Essex, ofereceu o saque ao seu amigo Thomas Bodley (até as estantes foram levadas…) e depois o produto de tal pilhagem passou a integrar uma das cinco grandes bibliotecas históricas do Reino Unido, a chamada Biblioteca Bodleiana de Oxford, sem referência à “marca de origem”. Esta a triste história.
Podemos fazer evocações, edições e celebrações do livro-símbolo, mas há uma questão que se coloca – o Pentateuco original deveria regressar â casa de Faro onde pertenceu e juntar-se ao pouco que do roubo ficou. Não se pede e muito menos se espera que Oxford devolva à procedência os 3.000 livros da biblioteca humanista, mas um deles, porque é símbolo, deveria regressar a Faro e não apenas em fotocópia, quanto mais não seja para salvar um bocado da alma do incursor inglês. Ao longo dos anos e desde há muito nestas páginas, temos insistido nesta questão, sem resultados. Todavia, o Pentateuco pertence a Faro e é um bem cultural de enormíssima relevância que justifica jogar a mão a tratados internacionais que regulam a matéria. Ficaria bem a Oxford tomar a iniciativa de uma solução não litigante para a questão. Seria a maior homenagem ao tipógrafo pioneiro Samuel Gacon e salvaria um bocado da alma do conde de Essex.
Flagrante constatação: Em política, a primeira vítima do manhoso é ele próprio, embora se esqueça sempre disso, por mais advertências que se lhe façam.
Carlos Albino