SMS: Os livros na praia

1. Há trinta anos dizia-se que nas praias portuguesas não havia livros. Quem os lia eram os estrangeiros, e muitas colunas foram escritas sobre o efeito do sol e da areia sobre o espírito dos leitores lusitanos. Os portugueses apreciavam, sobretudo, o som dos rádios que invariavelmente faziam parte do carregamento que então se transportava até à beira das ondas – guarda-sol, geladeira, melancia e rádio. Rádio para se ouvir as notícias e os sucessos anglo-saxónicos da altura. Esse amor pela música bem alta junto das ondas era partilhado com partidas de futebol em cima dos corpos estendidos dos vizinhos.

2. Os hábitos mudaram e todos sabemos porquê. As praias começaram a ter equipamentos de apoio que já não obrigam a carregar-se água e sanduíches às costas, e o material de bóias, pranchas, bolas passou a estar na praia. Mas não foi, por certo, por essa razão que nas praias se passou a ver pessoas de livros abertos, e jornais debaixo do braço. A população era outra, a instrução tinha-se alterado. Nos índices de leitura – a bitola mais segura da educação de um povo – Portugal começava a figurar nas listas dos que mais subiam. Mas, em dez anos, a vida alterou-se. Todos sabemos que de súbito, olhamos à volta, praia, comboio, avião, campo e cidade, e as pessoas passaram a levar consigo o smartphone como se fosse um osso tardio do esqueleto.

3. A discussão sobre o efeito do smartphone sobre os hábitos de leitura tem mais de uma década. Em síntese poderíamos classificar os anunciadores do futuro sobre a matéria em três categorias – os ufanos, os pessimistas e os cautelosos. Os ufanos, para quem a última invenção é sempre sinal inequívoco de felicidade, mesmo que seja a bomba atómica, auguravam um progresso extraordinário. Em breve, cada cidadão caminharia com Homero e Tolstoi no bolso, e todas essas páginas passariam por osmose para o cérebro. A instrução não iria ter limites, e finalmente a democratização cultural ira acontecer. Os pessimistas imaginavam o contrário. A rapidez de acesso, a abundância sem crivo, a simultaneidade de informação, e a dimensão da pequena janela onde se lê aos pedacinhos, iria espatifar em poucos anos a pedagogia demorada que fora feita aos longo de milénios. Luas tortas cairiam do Espaço, rios de sombra cultural ensombrariam a Terra. E houve os cautelosos. Há os cautelosos. Aqueles que sabem que o mundo para sempre, que os milénios de cultura adquirida estão a sofrer um abalo. Mas o que se deve deitar fora desse passado cujo futuro parece oferecer sobretudo novos meios, mas não novos conteúdos? Por isso mesmo, entre as populações mais cultas, os níveis de leitura mantêm-se. Mas nos países de herança cultural frágil, o uso do samrtphone tende a pagar não só a leitura em suporte de papel como a própria leitura em suporte electrónico.

4. As praias do Algarve, cada vez mais, recebem gente de toda a parte. Neste campo, como em muitos outros, estamos perante um campo de observação extraordinário de estudo. Mas que o estudo não seja tão demorado que permita que se verifique o lema de Millôr Fernandes – Enquanto os sábios discutem uma incerteza, os imbecis assaltam de surpresa.

 

Flagrante série: Até final de agosto, esses simples apontamentos vão ser dedicados a uma estimada espécie lusitana – Os Salvadores da Pátria. A série abre na próxima semana com um apontamento votado a um género dessa espécie – Os Trepadores

Carlos Albino

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