Esta espécie nunca esteve em extinção desde a Arca de Noé. É uma espécie muito resistente, faça sol ou haja chuva, vive sem precisar de grande alimentação, suporta meses e meses sem uma pinga de água como nenhum camelo, e sendo o foco de muita doença política e das mais terríveis epidemias culturais, nenhuma infecção ou contaminação a derruba. Os sinais vitais dos Lambe-botas só dão provas de entrarem em falência quando gastam a língua ou quando os donos das botas resolvem sem prévio aviso andar descalços. Os Lambe-botas sabem que lamber ou simplesmente beijar os pés dos que aparentemente seguem, por vezes até rastejando, é um sinal de traição equivalente ao de Judas. Lamber os pés, nunca! Apenas o coiro das botas. Daí que a língua ds Lambe-botas, por osmose ou há quem diga por exosmose, em função do material que a sua saliva humidifica, com o passar do tempo ganha a textura do coiro.
Então, sítio onde abundem os Lambe-botas, não engana a ninguém. Seja partido, auditório de biblioteca, estação de comboios, salão de reunião pública de câmara, ou mesmo escritórios conexos da Agência Portuguesa do Ambiente ou disso a que se chama Infraestruturas de Portugal, se por lá estão Lambe-botas, de certeza há muito coiro e cheira a fábrica de curtumes.
Nos partidos, o coiro dos Lambe-botas de início ou na fase salga pode ser explicado como perfume, e ninguém nota. Já num auditório de biblioteca, onde o que ninguém suspeita que seja coiro, os Lambe-botas fazem gala da operação de remolho, não sendo difícil observar o destino desses pobres seres – a transformação de pele em couro. Nas estações de comboios, venham estes da esquerda ou da direita, aí é que os Lambe-botas, na fase da depilação, cheiram ao que é de fugir. O enxofre para dissolver os pelos, faz os seus efeitos. Nas câmaras, os Lambe-botas cumprem com rigor a operação do caleiro que é o momento quando se adiciona cal hidratada para provocar o intumescimento das peles. Nas coisas do ambiente, por regra, os Lambe-botas sofrem o processo do curtimento, sem grande sofrimento, o que permite que se designe tal processo por purga. O que nem sempre acontece com todos os Lambe-botas.
Bem hajam.
(Próximo episódio: Os Arranha-camisas)
Flagrante esclarecimento: Quando se fala de muitos em geral mas de ninguém em particular, quem se pica alhos mordica.
Carlos Albino