Por vezes, em determinados jogos, os apanha-bolas são as figuras mais importantes, embora assim não pareça. São discretos, não aparecem nas revistas sociais, irritam-se quando são citados pelo nome nas notícias avulsas, atuam por regra e dever de ofício fora do campo de jogo. A sua eficácia é provada pela rapidez com apanham uma bola, seja esta pequena como a do ténis político, seja já de tamanho razoável como a bola da cultura jogada com os pés. E a sua inteligência ou esperteza fica também provada pela precisão e acerto com que entregam a bola ao senhor do jogo em questão.
Na maioria dos casos, os apanha-bolas nascem e morrem sem deixarem de ter essa função – a de serem uma condição para a bola entrar em jogo e este continuar. Mas há casos em que os apanha-bolas, por tanto jogo visto, decidem eles próprios passarem a jogadores. Entram em campo, pouco mais poderão fazer do que imitar jogadores, raramente determinam vitórias, mas, por uma questão de formação irreversível, têm a bola nas mãos e sabem que o seu poder vem da sua destreza em entregar a bola ao adversário, nos casos de vingança que ninguém suspeita existir, ou nos casos pagamento de favores, em privilegiar um parceiro de equipa mesmo que este esteja mal colocado.
Aparentemente parecem não ter opinião sobre seja o que for. Mas só aparentemente, porque os apanha-bolas possuem opiniões consolidadas sobre todos os assuntos, desde o mais complicado imbróglio constitucional até ao mais simples expediente burocrático de uma comissão de coordenação regional, para não se falar das questões ambientais, dos caminhos-de-ferro e da preparação de tremoços. Por isso mesmo, os poderes, sejam estes nacio-nais ou locais, em certas situações de jogo quente, em vez de técnicos de elevado nível ou de decisores de bom senso, preferem nomear apanha-bolas, no pressuposto de que um apanha-bolas que seja nomeado, jamais contribuirá para a queda do poder que o nomeou. A lealdade do apanha-bolas consiste nisso e esgota-se com isso – os apanha-bolas, para quem lhe está acima, são de uma humildade e subserviência tais que põem São Francisco num chinelo, e para os de baixo são de uma arrogância atroz e das piores, a que é exercida silenciosamente e corta como a faca afiada que se vende não só nas feiras políticas, mas também nas feiras que as hierarquias combalidas e à beira do estoiro sabem montar. Daí que a história ensine que os piores tiranos tenham saído dos apanha-bolas.
Os apanha-bolas jamais se importam de ser os últimos de uma lista, aliás até concorrem para tal apenas para dissimularem a ambição escondida. Todavia, chamados a jogo, preferem sempre o lugar de suplentes. Se há alguma coisa que detestam, é serem efectivos, mas é com infinita paciência que aguardam que o efectivo deixe de efectivar para deixar lugar vago.
Bem hajam.
(Próximo episódio: Os Estafermos)
“Flagrante ADN: Pelos dados que chegam dali e dacolá, a Infraestruturas de Portugal procede perante as as autarquias como se fosse autarquia maior que todas. É uma “cultura” que vem da nada saudosa Junta Autónomas das Estradas com o seu ADN do corporativismo.
Carlos Albino