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Arte pública e coisas afins

Admito que este apontamento esteja destinado a não receber grandes aplausos dos chamados setores implicados, mas depois de ter observado muita arte pública por aí plantada no Algarve e muitas coisas afins que, sendo gostos privados, se impõem à vista pública e à paisagem comum de todos, não adio o comentário que também há muito ferve. É que aprecio muito as obras do Siza Vieira e do Souto Moura mas confesso que me repugam as sizanices as soutelezas que, com vistos e aprovações camarárias, colocam nas cristas dos montes com o mar ao fundo, brigando com tudo, rompendo com tudo, adulterando tudo, estragando tudo. Qual património paisagístico, qual enquadramento arquitetónico, qual padrão estético, qual bom gosto, qual bom senso! Há, no Algarve, casas novas, construídas de raiz, que se justificam sem dúvida no Pólo Norte para esquimós, ou no Pólo Sul para donos de pinguins. Há “monumentos” que, Santo Deus, não passam de brincadeiras de crianças. Um, por exemplo, destinado a homenagear os Combatentes, não passa de uma urna de pedra para um soldado desconhecido com cinco metros de comprimento e, mesmo assim, ficando este com as botas de fora – mais grave, não se vendo as botas. Além disso, com uma frase inscrita na chapa de pedra atribuída a Camões e invocando os Lusíadas. Assim mesmo: “Ditosa a Pátria que tais filhos teve”. Ora nem Camões escreveu isso, nem consta nos Lusíadas, nem o que deveras escreveu se destinou, no plural, a combatentes da I, da II ou da III Guerra, mas, no singular, a Nuno Álvares Pereira – Ditosa a Pátria que tal filho teve (Os Lusíadas, VIII, 32, 5). Este erro crasso e, por assim dizer, esta falta de respeito por Camões e pela sua obra maior, está à beira de escolas.

Culpa da câmara, do seu presidente de ocasião ou do vereador circunstancial? Claro que não. Possivelmente ninguém tem culpa, embora alguém seja ou tenha que ser responsável. Uma asneira nunca cai do céu. A a asneira dá azo à asneira seguinte, que tanto pode ser a viabilização de uma sizanice que põe em crise a paisagem, seja esta urbana ou rural, seja a asneira que transforma uma praça redesenhada numa armadilha pública, por exemplo, com a introdução de regatos e mais regatos onde qualquer cidadão desprevenido pode partir uma perna. Brincadeiras de crianças arvoradas em arte pública, feitas ou concebidas por quem não foi eleito mas que impõe a quem foi eleito critérios mais que duvidosos e erros crassos.

E porquê, isto? Porque, para a arte pública, falta escrutínio público. Mas falta também a atenção da Ordem dos Arquitetos que, na matéria, tem deveres públicos e responsabilidades igualmente públicas. Siza Vieira é que não tem culpa das sizanices no alto dos montes com mar ao fundo e Souto Moura culpa não tem dos regatos que vão partir pernas.

Flagrante balde da água fria: O encerramento do Pátio das Letras, em Faro, após o encerramento de outras livrarias no Algarve. Dirão que a FNAC vai abrir em Faro e os supermercados e hipermercados vendem livros como amêijoas do Japão, sobretudo livros mais destinados a curar a disfunção do que as amêijoas. Todavia, oh cidade, diz-me as livrarias que tens e dir-te-ei quem és.

Carlos Albino

 

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2 COMENTÁRIOS

  1. Em primeiro lugar temos de compreender que o mundo editoral português se reparte apenas por dois grupos editoriais – Leya e Porto Editora. O resto são quase todas ousadias que não passam das boas intenções por quem não sabe o que há-de fazer ao dinheiro, e se mete a editar livros que, passados meses morre sem chegar à praia. Embora existam algumas pequenas editoras a vender bem, através de uma escolha de autores e de títulos de nicho muito criterioso, dirigido a um público muito objectivo.
    No entrementes, coloca-se a questão de o livro não constituir um bem de primeira necessidade, mas sim de hedonismo. Então, para tal, existem as prateleiras dos supermercados a venderem cordel (light – intriga e coração) e thriller (acção – espionagem e policiais). E ao que parece, quando esses romances ditos best sellers não têm o sucesso de venda pretendidos, puramente e simplesmente vão todos parar à guilhotina para serem despedaçados e voltarem de novo a ser papel imprimível, ou de embrulho, que é o caso de algumas edições que nem para isso servem.
    Portanto, Loulé, está sem uma livraria digna desse nome, porque fechou; e Faro, idem idem aspas aspas, as que existiam acabaram, tirando uma excepção que trabalha com edições vocacionadas para a UALG. De resto, por enquanto apenas a Bertrand vendida à Porto Editora, no Forum Algarve, espaço pequeno, mas ainda como espaço mais imediato e possível de encomendar quando não há o título pretendendido, passados duas semanas iremos receber – se calhar vêm de almocreve pelo Caldeirão.
    Pois que venha a FNAC, porque a Guia fica a 60kms (ir e vir) e estava para desistir em Setembro do seu cartão. Com a FNAC, finalmente ficamos bem servidos de podermos comprar cultura, até porque tb promovem sessões de lançamento de novos títulos e autores, o mesmo que o Pátio das Letras fez até ao limite das forças de quem generosamente geriu, acreditando que era possível. Mas não! Não era possível, porque era uma missão quixotesca, apenas possível realizar através do grande capital, ao qual as editoras modernas estão confinadas. O resto são faits divers de edições de autor.
    Quanto às artes, fico-me a roer, mas tem de ficar para uma próxima.
    (O culpado deste lençol é o articulista Carlos Albino que desperta memórias.)

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