Saúde mental continua “fechada” nos hospitais

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A grande maioria das pessoas com doença mental em Portugal continuam dependentes da assistência hospitalar. O país ainda tem “uma escassa atividade na comunidade, privilegiando modelos de cuidados há muito ultrapassados”. A conclusão consta de dois relatórios, um europeu e um nacional, sobre a transição dos cuidados de saúde mental para a comunidade, coordenados pela Faculdade de Ciências de Médicas e esta quinta-feira apresentados em Lisboa.

A substituição dos hospitais psiquiátricos por modelos na comunidade e socialmente inclusivos são um dos alicerces da reforma da saúde mental em todo o mundo, mas por cá tem sido pouco expressiva. Fecharam-se grandes hospitais como o Miguel Bombarda, em Lisboa, mas não foram abertas portas suficientes para projetos de proximidade. “A maior parte dos nossos serviços, incluindo os baseados nos hospitais gerais, continuam a concentrar os seus recursos em atividades intra-hospitalares.”

Na realidade portuguesa, “as equipas de saúde mental verdadeiramente implantadas na comunidade continuam a existir em número restrito”. Por outras palavras, “programas colaborativos com os cuidados primários, programas integrados para doentes mentais graves, centros de saúde mental e intervenção domiciliária continuam a ter uma expressão muito modesta em comparação com a realidade dos outros países europeus e estão muito longe do mínimo aceitável”, criticam os autores.

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“Estes relatórios permitem perceber muito bem quais são as barreiras e os ‘remédios’ para avançar. É preciso voltar a discutir estas questões”, afirma José Caldas de Almeida, coordenador do grupo europeu Joint Action Mental Health and Wellbeing – responsável pelos relatórios agora publicados e até ao próximo ano sob a chancela da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa.

Médicos não querem perder poder

Entre os vários travões detetados pelos peritos estão o financiamento inadequado e a resistência de vários dos intervenientes.”O modelo de financiamento é completamente obsoleto, pagando para internar as pessoas, e muitos médicos opõe-se à mudança por entenderem que o seu poder vai esbater-se. E as ordens religiosas, por exemplo, abriram muitas camas para estes doentes e querem rentabilizar esse investimento”, critica o psiquiatra.

Na opinião do especialista, “fizemos bem a transição dos hospitais psiquiátricos para os hospitais gerais, o internamento e a consulta funcionam bem, mas falhamos no trabalho comunitário e na articulação com os centros de saúde; muitos dos médicos não querem sair do hospital”. Caldas de Almeida garante que é preciso insistir na mudança: “Cada serviço de saúde mental dos hospitais gerais tem de ter uma equipa para trabalhar na comunidade e temos de ter moradias e apartamentos assistidos em vez de mais camas de cuidados continuados para internar os doentes.”

Portugal tem 42 residências para doentes mentais e “mecanismos de apoio social e ao emprego frágeis”, salienta. Ainda assim, “andamos há várias décadas a trabalhar no bom caminho e até antecipámos, no Plano Nacional de Saúde Mental, o que em 2013 a Organização Mundial da Saúde disse aos países para fazerem”. Merece nota positiva a criação de serviços para crianças com problemas de saúde mental ou o incentivo à participação de Organizações Não Governamentais.

Caldas de Almeida garante que “a nossa lei é boa, o que foi preparado é tecnicamente perfeito, mas há uma resistência larvar à mudança que faz parar a reforma”. Nos restantes estados da União Europeia a realidade não é muito diferente. As barreiras à reforma também passam pela “falta de prioridade política”, “financiamento insuficiente”, “falta de consenso entre os intervenientes” ou “falta de cooperação entre os sectores social e da saúde”.

Os peritos recomendam 12 atuações estratégicas para deitar abaixo as barreiras. Por exemplo, integrar a saúde mental nos cuidados primários, promover a cooperação entre vários setores e recorrer a instrumentos europeus relevantes.

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