OPINIÃO: As damas da contramão

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Colaboradora. Designer.

Opinião de Fátima Murta

Já lá vai o tempo em que era óbvia a resposta à adivinha “Duas mães e duas filhas vão á missa com três mantilhas”. As actuais gerações deitaram para trás das costas as cumplicidades da vida pública. Também as mantilhas apenas se encontram à venda nas casas de adereços para espectáculo ou nos mercados das recordações ao desbarato.

Quando muito teria sentido formular a pergunta de outra forma: “Duas anciãs e duas vilãs não foram votar a vila de rãs”. Por vezes, somos obrigados a convocar a realidade, nua e crua, apenas para conseguir uma rima a preceito. Mas a resposta não é brincadeira, existe mesmo.

A Dona Ralação é uma velha senhora. Cultiva empenhadamente a cultura pimba. Cada quinze dias vive à porta de quem a acolher a troco de pequenos fogos-de-artifício afectivos e afectuosos. Afinal, a velha Ralação é uma apaixonada das regras avulsas que abundam nas coisas mesquinhas. A velha Ralação é monárquica, enfeudada ao Reino da Estupidez, apesar de não fazer a mínima ideia de que passou por Portugal um grande escritor chamado Jorge de Sena.

A velha Ralação esconde um grande segredo, é filha de mãe incógnita e pai valdevinos que não gosta de dar a cara; e, como tal (enjeitada que sempre foi), sente-se no legítimo direito de passar os dias à procura de um colo materno. A sucessão das muitas tentativas frustradas criou-lhe a ilusão de viver empoleirada nas saias de um regaço nómada. Mas, antes isso que nada. A velha Ralação sabe que morrerá de velha e não está mesmo para se ralar. É a primeira anciã. E é vilã.

Já a senhora Omissão ostenta uma vida e uma estabilidade bem diferentes. Distinta personalidade do nosso meio social, defende a cultura pumba. É que a senhora Omissão conhece muito bem todos os meandros através dos quais se processam as múltiplas relações interpessoais. De espírito firme e decidido, impermeável às flutuações e aos caprichos dos dias e dos acontecimentos que a não conseguem fazer levantar da cadeira; a senhora Omissão vive empenhada numa rígida fidelidade à máxima “Nunca te comprometas”. É vilã, e tão velha quanto o mundo.

Já a Lady Abstenção pode exibir a família tradicional que a viu nascer. Filha da Dona Indiferença e do Doutor Oportunismo, cedo entrou na vida diplomática que lhe permitiu calcorrear o mundo. Pode dizer-se que é uma cidadã quase universal.

A Lady Abstenção sofre de uma doença bastante incómoda, a apneia do sono. Por vezes, a meio do repouso de prolongadas horas, acorda em pânico e grita muito devido à desorientação de uma quase que sensação de naufrágio. Como Lady que é, de imediato surge um mordomo que a apazigua através do recurso aos noticiários da Euronews por onde poderá marcar encontro com quem a desperte; de preferência, através do riso e das cantigas populares. Afinal, a Lady Abstenção é uma das mais influentes defensoras da cultura zumba.

O passatempo preferido de Lady Abstenção é o de fazer equilibrismo com uma caneca de cerveja sobre a testa (embora nunca beba álcool), enquanto vai brincando com a caixa de mudanças de modo a mantê-la permanentemente em ponto morto, e sem nunca guinar nem para a esquerda, nem para a direita. Claro que brinca desta forma ao fundo da garagem já que tem alergia a tudo o que sejam centros.

Como, devido aos benefícios inerentes à descrição da sua vida pública, a Lady Abstenção é bafejada com as mais invejáveis regalias, estatutos e prerrogativas. Talvez por isso se mantenha eternamente jovem.

A velha Ralação, a senhora Omissão e a Lady Abstenção não são propriamente amigas. Mantém uma relação de distância e cerimónia de acordo com as conveniências do meio a que pertencem. Mas, como as três têm em comum o vício da batota e da maledicência, reúnem-se em todos os solstícios e equinócios do ano, para jogar umas partidinhas de canasta.

Mas, quando se trata de transparecer para o exterior as razões que motivam tais assembleias à porta fechada, encarregam-se de fazer circular a notícia destes encontros regulares enquanto “tertúlias das damas da contramão”..

Fátima Murta

 

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