OPINIÃO: A crónica que eu nunca escreveria

LP
LPhttps://www.jornaldoalgarve.pt
Colaboradora. Designer.

Opinião de Fátima Murta

Viver no anonimato é para os nossos tempos, equiparável a uma condenação à mediocridade. Os padrões de reconhecimento e avaliação dos méritos de cada um, mudaram muito com as novas formas de comunicação do século XX, a telefonia e a televisão; e, mais ainda, com o passo gigantesco para a globalização e que nos foi facultado através da internet e das redes sociais. Não estar inscrito, hoje, entre o número daqueles com conta no facebook é o mesmo que haver requerido um certificado de inexistência, e passarem-no. Não alcançar o reconhecimento virtual equivale a uma sentença de nulidade existencial real. Para isso, as multidões desdobram-se numa imparável corrida de competições saudáveis e concorrências desleais. De tempos a tempos aqui e ali, somos surpreendidos com o génio exibicionista de quem quer fazer notar-se a qualquer preço.

Há poucas décadas atrás enviavam-se postais a um apartado televisivo, aguardava-se um sorteio transmitido em horário nobre, ansiava-se a hora de uma pré-selecção, e vibrava-se com a participação de alguns dos nossos conhecidos que nos prestigiavam e à nossa terra, clube, profissão, ideais.

Tudo mudou hoje. A ponto de parecer imperar a ausência de critérios de qualidade. A mesma estação televisiva promove concursos de talento, ou histórias de faca e alguidar; reality shows de relações descartáveis e convites a alimentar sonhos de grandeza desde a infância; promoção da ignorância paga a peso e prémio de novas enciclopédias interactivas.

No meio de todo este tão interessante e multifacetado panorama cultural da mediocridade global, deparei-me com a cronologia repetitiva de uma conta de facebook que grita por ajuda. Trata-se de uma senhora que já ninguém sabe quem é e que resolveu (desde há muito) vir para a rua de modo a fazer denúncia de coisas incríveis que (escreva ela convencida de que engolimos tudo o que nos dão para a boca) lhe têm feito.

A primeira impressão que me causou toda aquela verborreia, foi a de um tolo exibicionismo, aliás consequente com o que dela conhecemos enquanto artista. Sabe-se que a pessoa em causa nunca teve qualidade ou mérito próprio que justificasse ter conhecido a notoriedade que lhe deram. Felizmente que apenas por alguns anos, já teve os seus cinco minutos de fama. Uma diletante sabida e que subiu à custa das denominadas valências físicas da perna aberta. Bem poderia, agora, de facto, remeter-se ao silêncio de uma vida comum como a da grande maioria. O espalhafato que parece fazer surge, assim o creio, como resultado de uma qualquer efabulação criativa e depressiva. Sem dúvida.

Nada há de mais perigoso e repugnante num espectáculo de qualidade inferior, que o apelo à adesão pelo sentimento de empatia com a ceguinha que canta para ganhar uns tostões com que mata a fome. Este apelo à compaixão pela pior das habilidades surge-me, de facto, como algo de execrável.

Oh, minha senhora, cale-se de vez! Vá pintar macacos ou plantar uma bananeira.

Não sei se este será o juízo dominante de quantos me foram lendo e acompanharam ao longo de muitas peripécias que pautaram estes meus últimos anos de vida. Pois que, a tal senhora que eu faço saber-me lida, sou eu mesma.

Desconheço se a greve de fome que vou anunciando iniciar a 31 de Maio tem provocado este tipo de julgamentos superficiais e evidenciadores de uma incapacidade generalizada para conhecer o que subjaz por detrás das aparências de que a vida humana se reveste.

Sei – isso sim, e com toda a segurança o afirmo – que nunca foi esta a minha forma de manifestar solidariedade para com quem dela até nem carecia. Quanto ao direito à justiça, isso já é uma outra história….

E, só por isso mesmo, jamais poderia vir a escrever esta crónica. Embora, por acaso e força de um combate desigual, até seja eu a assiná-la.

Fátima Murta

 

Deixe um comentário

Exclusivos

Veículos TVDE proibidos de circular na baixa de Albufeira

Paolo Funassi, coordenador da concelhia do partido ADN - Alternativa Democrática Nacional, de Albufeira,...

Algarve comemora em grande os 50 anos do 25 de abril

Para assinalar esta data, os concelhos algarvios prepararam uma programação muito diversificada, destacando-se exposições,...

Professor Horta Correia é referência internacional em Urbanismo e História de Arte

Pedro Pires, técnico superior na Câmara Municipal de Castro Marim e membro do Centro...

O legado do jornal regional que vai além fronteiras

No sábado passado, dia 30 de março, o JORNAL do ALGARVE comemorou o seu...

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.