O vila-realense que teve funeral com honras de Estado em Madrid

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António Bandeira Cabrita (esq.) e uma imagem da Guerra Civil de Espanha

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Juntou-se às Brigadas Internacionais durante a Guerra Civil de Espanha e combateu as forças fascistas de Francisco Franco até morrer em combate, em setembro de 1936. Antes, tinha sido deportado para Timor por suspeitas de ter participado, como mentor, no golpe contra Salazar de 1931

DOMINGOS VIEGAS

Nasceu em Vila Real de Santo António, em 1910, e foi um dos muitos portugueses que combateram na Guerra Civil de Espanha (1936-1939), pelo exército republicano e contra as forças fascistas comandadas por Francisco Franco. Acabaria por morrer em combate, na Batalha de Talavera, em setembro 1936, três meses depois de completar 26 anos.

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António Bandeira Cabrita foi recordado recentemente, durante a sessão evocativa intitulada ”80 anos da Guerra de Espanha”, que decorreu no Arquivo Municipal António Rosa Mendes, na cidade pombalina, organizada pelo PCP local.

O jornalista e escritor José Estêvão Cruz, ex-deputado e atual membro da Comissão Política Concelhia do PCP da cidade pombalina, foi o escolhido para traçar o perfil e recordar a vida de António Bandeira Cabrita, uma figura, atualmente, praticamente desconhecida para a maioria da população da cidade que o viu nascer, e também da região algarvia, mas que chegou a tenente do exército republicano e cujo funeral teve honras de Estado em Madrid.

“Destacou-se sempre como um jovem com altíssima qualificação. Deste muito novo, revelou que tinha uma inteligência muito acima do normal. Aos 18 anos, durante o tempo que estudou em Faro, já era redator de um jornal, depois foi estudar para Lisboa, mas acabaria por ser deportado para Timor, onde colaborou com o hospital local, na área da biologia”, revela José Cruz, em declarações ao Jornal do Algarve.

António Bandeira Cabrita nasceu no mesmo ano que o seu conterrâneo António Vicente Campinas. “Ambos, ainda nos tempos de juventude, foram os responsáveis pela unificação de todos os sindicatos que existiam em Vila Real de Santo António, criando uma estrutura que passou a denominar-se Sindicato dos Trabalhadores da Terra e do Mar”, acrescenta José Cruz.

De Vila Real de Santo António até à Guerra Civil de Espanha

Em Lisboa, participou nas lutas estudantis e acabou por filiar-se no Partido Comunista (que tinha sido fundado em 1921). Em 1931 era secretário do Comité Central daquele partido, uma força política ainda muito débil e que começava a dar os primeiros passos. Foi preso nesse mesmo ano, durante a noite que antecedeu o golpe militar contra Salazar, e acabaria por ser deportado para Timor.

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José Cruz recorda que António Bandeira Cabrita conseguiu, posteriormente, evadir-se de Timor e regressar à Europa: “Primeiro foi para Macau, passou pelo Japão e, depois, atravessou a Rússia. Não se sabe bem como, mas imagina-se que terá sido no transiberiano [mítico comboio, e linha ferroviária, que liga Moscovo ao extremo oriental da Rússia e do continente asiático]. Depois chegou a Espanha e juntou-se às Brigas Internacionais na guerra civil”.

Em Espanha, foi tenente do exército republicano, que combateu as forças fascistas comandadas por Francisco Franco. Acabaria por morrer em combate, em setembro de 1936, na Batalha de Talavera, que decorreu em Talavera de la Reina, província de Toledo. António Bandeira Cabrita recebeu honras de herói e teve direito a um funeral de Estado na capital espanhola.

Quem se defrontou nestes três anos de guerra?

A Guerra Civil de Espanha começou a 17 de julho de 1936, imediatamente após o fracasso parcial do golpe de Estado perpetrado por parte do Exército Espanhol contra o governo da Segunda República que tinha sido eleito democraticamente.

Aquele governo, de coligação, era formado por Esquerda Republicana, União Republicana, Partido Socialista, Partido Comunista, POUM (partido sindicalista de origem anarquista), bem como pela Esquerda Republicana da Catalunha. Contava com o apoio dos sindicatos UGT e CNT e, posteriormente, também do Partido Nacionalista Basco. Em combate, contaram ainda com o apoio das famosas Brigadas Internacionais, constituídas, principalmente, por comunistas e anarquistas oriundos de diversos países.

No outro lado estavam altas chefias militares, encabeçadas por Francisco Franco. Os sublevados eram apoiados, politicamente, pela Falange Espanhola (fascista), pelos monárquicos “Carlistas” e da Revolução Espanhola, pela CEDA (Confederação Espanhola das Direitas Autónomas), pela Liga Regionalista e por outros grupos conservadores. Este movimento para derrubar o governo contou ainda com o apoio das classes mais altas da sociedade, bem como da Igreja Católica. Durante a guerra, e em combate, foram apoiados pela Alemanha de Hitler e pela Itália de Mussolini.

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A guerra prolongou-se durante mais de dois anos e oito meses, até ao dia 1 de abril de 1939, altura em que Francisco Franco tomou o poder e iniciou uma ditadura que duraria até à sua morte, a 20 de novembro de 1975, ou seja, mais de 36 anos depois.

António Bandeira Cabrita e a Batalha de Talavera

A Batalha de Talavera, na Guerra Civil de Espanha, decorreu durante o dia 3 de setembro de 1936. Resultou na tomada da cidade de Talavera de la Reina por parte das forças sublevadas de Francisco Franco e consequente derrota do exército republicano. Registaram-se cerca de 1000 baixas nas tropas rebeldes e cerca de 1500 no exército que defendia a República, entre as quais o vila-realense António Bandeira Cabrita.

As forças rebeldes fascistas tinham avançado desde Sevilha um mês antes, rumo ao norte e à capital, Madrid, e no dia 14 de agosto já tinham tomado a cidade de Badajoz. Os republicanos, depois desta derrota, tentaram, então, impedir a progressão dos rebeldes em Talavera de la Reina.

Estes últimos juntaram cerca de 10.000 combatentes, comandados pelos generais José Riquelme e Juan Modesto (este último, chefe das milícias onde estava António Bandeira Cabrita), alguma artilharia e um comboio blindado. No outro lado, as forças sublevadas, comandadas por Juan Yagüe, tinham apenas cerca de 4000 homens, mas contavam com um forte apoio de artilharia e aviação que, junto com uma maior preparação, acabaria por se revelar crucial para conseguirem entrar e tomar a cidade antes do final do dia.

Massacres à população civil e fuzilamentos

Após a tomada de Talavera por parte dos franquistas, o último grande obstáculo antes de Madrid, seguiu-se um autêntico massacre à população civil por parte das forças fascistas, aliás, como tinha acontecido, e continuou a acontecer, cada vez que estas ocupavam uma posição.

O jornalista norte-americano John T. Whitaker, na altura correspondente de guerra do New York Herald Tribune, que esteve dois meses em Talavera de la Reina, relatou, desta forma, o que se seguiu à tomada da cidade: “A matança parecia não ter fim. No final do segundo mês continuava a haver tantos fuzilamentos como nos primeiros dias. Seriam, em média, trinta por dia. Via passar os homens que levavam para o quartel. Eram simples camponeses e trabalhadores, homens abatidos e submissos. Para morrer bastava ter cartão de um sindicato, ter sido ‘maçon’ ou ter votado pela República. Aqueles que eram denunciados ou selecionados à sorte tinham que enfrentar um julgamento sumário: dois minutos de audiência e a decisão da pena capital. O que tivesse exercido algum cargo público durante o período republicano era fuzilado imediatamente. As ações de limpeza aconteciam em todos os caminhos. De repente apareciam quatro camponeses amontoados numa vala ou 34 milicianos algemados e fuzilados. Lembro-me de ter visto um vulto na praça da cidade: eram dois jovens membros da Guarda de Assalto republicana que tinham sido algemados com arames, regados com gasolina e queimados vivos”.

Antes da Batalha de Talavera, e pouco depois da tomada de Badajoz por parte das forças fascistas, Whitaker tinha conseguido entrevistar o general Yagüe. Quando lhe perguntou se era verdade que tinham fuzilado 4000 pessoas, este respondeu: “Claro que os fuzilámos. Estava à espera de quê? Pensava que ia levar comigo 4000 vermelhos enquanto a minha coluna avançava a contrarrelógio? Pensava que ia deixá-los soltos nas minhas costas e permitir que voltassem a edificar uma Badajoz vermelha?”.

Entrevistas como esta acabariam por servir como autênticas confissões, usadas posteriormente por diversos historiadores nas suas investigações sobre a Guerra Civil de Espanha.

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