O partido do Ruca

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O partido do Ruca

As minhas pretensões de fundadora partidária sempre foram nulas. Até ter visto o Tiririca. Foi aí que eu pensei que talvez ainda pudesse ter algum futuro na política. E, se é o caso, ou começo logo lá por cima, ou não vale a pena. Por isso (e porque até penso que os políticos são os criativos mais ingénuos, mais pacóvios e mais triviais que se possa imaginar), comecei por me deixa convencer de que um partido fundado por mim traria, seguramente, um contributo decisivo para a arquitetura pluri-partidária do nosso país. E, por que não, europeia? É que eu acho, como diz o tal Sá Nogueira, “devemos fazer por ser os melhores do mundo”. Se ele não diz bem assim, é porque diz certamente uma coisa muitíssimo parecida.

Comecei a matutar como é que havia de sair do anonimato e angariar todas aquelas assinaturas para conseguir conquistar a legalidade do partido que me proponho fundar, o Partido do Ruca.

Dei muitas voltas à cabeça, de modo a encontrar um caderno de linhas programáticas a propor para uma próxima campanha eleitoral de legislativas. Até que o meu gato me deu uma ideia genial.

Aconteceu numa noite de Verão depois de ter convidado os amigos para uma grande patuscada de mariscos, lampreia e outras iguarias. Nem tudo correu bem porque tive que pagar os acepipes com um cheque careca; e isso deu-me o direito a passar uma noite na choldra, uma cela de prisão muito simpática onde eu adormeci tão depressa como se estivesse numa belíssima suite de hotel. E sonhei o mais belo sonho de toda a minha vida

Era o chefe de uma quadrilha muito especial. Éramos quatro elementos. Há anos que vínhamos pensando na melhor forma de fazer um assalto e, ao mesmo tempo, desmascarar o governo. A hipótese surgia agora. Estávamos em vésperas do novo período eleitoral, sabia-se que o Fundo Económico Europeu havia oferecido uns bons milhões de euros ao País. Esse dinheiro enchia os cofres do Banco de Portugal. Tínhamos recebido a informação de que o governo tinha a intenção de distribuir esse dinheiro por todos os portugueses pensando, assim, comprá-los para vir a obter uma maioria eleitoral.

Nós desejávamos apenas impedir que se consumasse aquela última e tão demagógica implementação de medida governamental extraordinária.

Aquela que era a outra mulher do grupo, conhecida pelo carisma de protectora dos animais, tinha um gato cujo único alimento era bacon fumado, em fatias bastante grossas. Depois de várias sessões, conseguimos convencê-la a entrar no nosso plano. Acreditávamos que, se conseguíssemos utilizar o gato para o assalto, seríamos bem-sucedidos na nossa empresa.

Assim, depois de tudo muito bem planeado, depois de hipnotizarmos o gato, estávamos a postos para a concretização do nosso assalto. Na cozinha, ela dava o alimento ao felino (havia uma semana que lhe retiráramos toda a alimentação), agora misturado com uma elevada dose de com alucinogénio.

Fomos para o Banco de Portugal. O gato já sabia o que tinha a fazer. Nós levávamos armas de plástico. Eu agarrava, entre as mãos, o plano da caixa forte. Deixámos o gato junto à porta do banco para que ele entrasse como se fosse um simples gato vulgar. Um bichano normal. Sabíamos que entre a entrada do nosso gato e o assalto que deveríamos fazer, mediaria um período de uma hora exata. O gato foi para junto de uma das janelas. Adormeceu, melhor, fingia que dormia.

Quando um dos funcionários do banco veio pegar-lhe ao colo para o pôr na rua, o gato começou a subir pelas paredes, fugiu para trás do balcão, e começou a dançar apoiado nas duas patas traseiras. Conseguiu, assim, chamar a atenção de todos os presentes. De imediato, reuniram-se à sua volta e esquecidos da interdita entrada de animais nos bancos, desde o governador do Banco de Portugal até aos caixas e aos próprios funcionários de segurança.

Todos consideravam estar frente a um prodígio.

Passaram a ocupar-se dos telefones de modo a chamar a imprensa. Todos ligavam os telemóveis, procuravam os sítios de maior interesse a nível global, ligavam à associação protectora dos animais, ao jardim zoológico, à Natural Geographic, a todos os noticiários, às revistas cor-de-rosa, aos grandes líderes de opinião, nacionais e internacionais; às mais respeitadas personalidades. Os próprios clientes insistiam em ajudar nesta empresa inesperada, considerando que isso era uma honra e, quem sabe, uma mais-valia a investir. Até aos administradores das lojas do Gato Preto, eles decidiram ligar.

Enquanto esta azáfama decorria, eu infiltrava-me no cofre-forte e os meus companheiros ocupavam posições estratégicas que me servissem de vigilância.

Junto ao dinheiro, fui encontrar prendinhas de treta que pensavam distribuir pelo Natal.

Trouxemos o dinheiro dentro de sacos de pijama. Em de Pantera Cor de Rosa, de Speedy Gonzalez, de um autêntico Pateta; o meu, como não podia deixar de ser, vestia a pele da irreverente Miss Piggy.

Conseguimos fugir sem ninguém dar por isso.

Todos quantos nos viram passar por entre a multidão que se apinhara à volta do gato, pensaram que se tratava de uma agência de produção e animação que vinha requisitar o talentoso animal que continuava a deliciar a plateia do Banco de Portugal.

Passadas algumas horas no Banco, o nosso bicharoco, era apenas um gatão Ruca que se roçava pelas pernas do Governador.

Dias depois, e sabendo que o governo já nos fazia uma cerrada perseguição , pensávamos o que fazer com todo aquele dinheiro. Então, resolvi tirar uma nota da algibeira e, à chuva, qual não foi o meu espanto, quando vi a nota toda molhada e a escorrer tinta. Fui a correr para casa e resolvi passar a pente fino todo aquele dinheiro. Todas as notas se transformavam em papel vegetal, o que queria dizer que tínhamos sido burlados.

Afinal, o Governo pensava promover mais uma fantochada e à custa de uma falcatrua do fundo europeu. Grande ajuda internacional!

O governo foi desmascarado. Não teve quaisquer possibilidades ou legitimidade constitucional para nos mandar prender.

Claro que fundámos um partido e concorremos às eleições. E ganhámos por maioria absoluta. Absolutíssima.

No fim do nosso mandato (o gato passou a ser o nosso símbolo), todos tinham em casa jarras com gatos, sapatos com atacadores feitos de bigodes de gato, vestidos cor de gato. Era lindo ver as multidões a dançar as músicas as músicas que os movimentos do Ruca sugeriam, quando do assalto ao Banco de Portugal. Os estilistas uniram-se todos numa gigantesca passerelle apresentando modelos para as colecções outono-inverno e primavera-verão, ao longo da próxima década. O que mais me comoveu foi a colecção de luxo das coleiras para gatos que enchiam os catálogos das joalharias, tendo de imediato passado a embelezar os pescoços das mais elegantes e belas senhoras, qual delas a mais bela e valiosa.

Quanto aos vários municípios espalhados pelo País, promoviam-se a uma rapidez incontrolável, festivais de gastronomia com comida para gatos, e ao requintado gosto dos humanos.

Quanto a nós, aceitámos um empréstimo do Fundo Europeu de modo a podermos oferecer uma florzinha de plástico a cada um dos cidadãos eleitores. Anexo a ela, uma pequenina quadra que arrecadámos graças aos jogos florais que promulgámos sobre o mote “O gato que nos salvou”. Assim procurámos compensar tantos dos portugueses decepcionados com trajectória da democracia portuguesa.

Este foi o sonho. Vejo nele uma grande potencialidade de concretização e de realização nacional. Apenas tenho um problema: é que o contei aos meus restantes três companheiros de aventura.

E não é que eles querem agora fundar, cada um, o seu partido? O do Reco-Reco (nome do coelho do Pedro), o do Rico-Rico (o modo como o Paulo chama a sua mascote) e o do Rato-Rato (alcunha dos bichinhos virtuais do outro).

Espero, pois, encontrar alguém suficientemente visionário para antever que eu serei a última chance de salvação de Portugal, como primeira-ministra. Quem quer que seja, prometo desde já oferecer-lhe a pasta das finanças e mais alguma coisinha que valha a pena.

Fátima Murta

 

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