Na guerra vale tudo, até o Twitter

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Nas últimas três semanas, o mundo assistiu surpreendido ao drástico avanço do ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), que ocupou várias cidades e pontos fronteiriços do Iraque. Uma das perplexidades refere-se ao modo como uma organização com apenas alguns milhares de soldados pôde obrigar um exército de centenas de milhares a recuar. A resposta, pelo menos em parte, terá a ver com ‘social media’. Entre os grupos terroristas, o ISIS é o mais sofisticado a usar o twitter, o facebook e YouTube. Só no dia em que tomou a cidade de Mossul, 40 mil tweets foram emitidos por contas associadas ao grupo.

Antes de o ISIS entrar na cidade, tinha conseguido fazer uma ampla divulgação de vídeos em que executava soldados do exército iraquiano. Isso ajudará a perceber os motivos que fizeram com que houvesse tão pouca resistência em Mossul. O exército simplesmente fugiu. Deste modo, o ISIS confirmou a sua mestria dos meios da propaganda de guerra. O Twitter e o YouTube foram usados com sucesso para dar uma imagem bastante amplificada do inimigo que aí vinha.

Segundo vários comentadores, o à-vontade com que o ISIS utiliza os ‘social media’ reflete a composição do grupo, um terço de cujos membros serão estrangeiros, por vezes com formação em design gráfico e em cinema. Os vídeos do ISIS exibem valores de produção sofisticados e as suas estratégias de marketing não o são menos. Um exemplo é a imagem de uma pistola reluzente e ensanguentada por cima da qual se lê a frase “YOU ONLY DIE ONCE. WHY NOT MAKE IT MARTYRDOM” (Só Morres Uma Vez. Porque Não Fazes Disso Martírio?).

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Celebrar Messi a quebrar o Irão

A ideia liga com a suspeita de que uma parte substancial dos recrutas do grupo são jovens alienados que procuram dar um sentido às suas vidas. Um aspeto notório da propaganda do ISIS é que os materiais postados, com frequência, são obra de militantes individuais ou de células de militantes por sua própria iniciativa. Isso também acontece com outros grupos terroristas, incluindo o Jabat al-Nusra, filial oficial da Al Qaeda no Iraque, mas não à mesma escala.

O vídeo mais arrepiante do ISIS será aquele onde soldados iraquianos aparecem a repetir uma frase que os obrigam a dizer e a cavar as suas próprias sepulturas em Tikrit – cidade natal de Saddam Hussein – antes de serem executados. Mas há muitos outros na Internet. Como se seria de esperar na geração do ‘selfie’, é normal aparecerem militantes a exibir os seus próprios triunfos, ou o mero facto de se encontrarem presentes no campo de batalha.

O meio privilegiado de divulgação tem sido o Twitter. Até há pouco, era possível descarregar no Google uma aplicação, Madrugada das Notícias Felizes (ou, abreviadamente, Madrugada), através da qual tweets produzidos a nível central eram reproduzidos e retweetados em dezenas de milhares de contas. O Google fechou essa aplicação, mas é provável que já tenha sido criada uma substituta. Entretanto, a multiplicação de ‘hashtags’ (etiquetas) associadas ao ISIS cumpre idêntica função.

O grupo até usa etiquetas alheias, como as do campeonato do mundo, que aplica aos seus materiais. E as apropriações do futebol não ficam por aí. Sendo um movimento sunita, o ISIS deu os parabéns a Lionel Messi quando marcou um golo ao Irão, país de maioria xiita.

Assustar, recrutar, angariar

A par com as imagens de guerra e de atrocidades, o ISIS publica cenas de militantes a assistir as populações – por exemplo, distribuindo comida – ou cenas banais do dia-a-dia dos militantes. Tudo para criar um sentido de comunidade e garantir que os cidadãos comuns nada têm a recear. Uma garantia tanto mais necessária quanto o grupo promove uma versão fundamentalista extrema do Islão, com o repertório habitual de proibições absolutas mesmo de atividades como a música e castigos violentos para quem desobedecer.

O propósito dos vídeos e restante propaganda não é só aterrorizar e conquistar. Procuram igualmente recrutar e angariar fundos. O primeiro objetivo vem sendo conseguido, a avaliar pela quantidade de muçulmanos de países europeus, e não só, que se tem juntado ao ISIS. O governo britânico está a considerar a hipótese de tornar ilegal a saída de britânicos para ir lutar ao lado dos rebeldes na Síria. Ao que parece, é frequente radicalizarem-se lá.

Quanto ao segundo objetivo, a indicação de que 35% das contas do ISIS no Twitter pertencem a sauditas, e que noutros países do Golfo o número também é elevado, está a inquietar o Ocidente e os seus aliados. Tradicionalmente, o fanatismo islâmico procura financiamento nessa zona. Também por lá o ar profissional da operação de media do ISIS poderá ter efeitos persuasivos. Despertando o mesmo sentido de missão, ainda que a contribuição nesse caso seja feita em dinheiro.

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