Metade dos portugueses sem acesso aos melhores cuidados primários

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“As aparentes diferenças de qualidade entre o desempenho das Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados e das Unidades de Saúde Familiar devem ser consideradas um problema para a qualidade dos cuidados primários em Portugal. É problemático, especialmente numa perspetiva de equidade, ter perto de metade da população com acesso a unidades de cuidados primários com resultados mensuráveis mais pobres.” O alerta é feito pelos autores do mais recente relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) sobre a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal. O documento é apresentado esta quarta-feira pelo ministro da Saúde, Paulo Macedo.

Os peritos citam vários estudos portugueses para referirem que nas modernas unidades o tempo de espera para consulta com o médico de família é 54% menor, mesmo com mais 6%, em média, de consultas no total. As Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) – os centros de saúde clássicos – perdem ainda para as Unidades de Saúde Familiar (USF) no acesso às consultas de urgência ou no aconselhamento por enfermeiros, por exemplo.

A análise leva agora os especialistas da OCDE a afirmar que é preciso agir: “Uma decisão sobre a direção das USF e das UCSP tem de ser tomada.” Ao país são apresentados dois caminhos possíveis. “Estabelecer uma data para a transformação de todas as UCSP em USF e/ou introduzir (nas UCSP) alguns dos incentivos de qualidade/desempenho incluídos nas USF.”

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Reforma ao ‘ralenti’

A abertura de mais USF tem sido recomendada por outras entidades independentes, como a Fundação Calouste Gulbenkian, mas tem vindo a perder velocidade com este Governo e com a crise. Estas modernas unidades, que surgem por iniciativa dos próprios profissionais de saúde e que incluem a remuneração por resultados, por exemplo, implica um encargo maior para o Estado com os recursos humanos, mas o custo é compensado com poupanças em outras áreas. “Os custos globais são menores nas USF, com meios de diagnóstico, medicamentos e outros procedimentos, do que nas UCSP”, lê-se no relatório.

Sobre a falta de médicos de família, é reconhecido o esforço da equipa de Paulo Macedo para contratar mais especialistas para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) – as vagas para internos aumentaram 58% entre 2009 e 2015 – , mas a aposta deve ser feita em outro grupo de profissionais de saúde. Os enfermeiros podem dar um contributo muito maior, à semelhança do que já se faz no Reino Unido, na Dinamarca ou na Suécia. “Extensas evidências internacionais disponíveis suportam a partilha ou a transferência para os enfermeiros de papéis tradicionalmente desempenhados pelos médicos.”

Afirmam ainda os peritos, que “nos cuidados primários os enfermeiros aparentam ser insuficientes e subaproveitados, apesar de Portugal treinar e exportar um grande número de enfermeiros todos os anos”. O país tem os ratios de enfermeiros (6,1) e de enfermeiros por médico (1,5) inferiores às médias da OCDE: 8,8 e 2,8, respetivamente. Mesmo assim, “de 2010 a 2015, houve um aumento de quase 500% de enfermeiros portugueses no Reino Unido”.

Falta prevenção

Ainda nos cuidados primários, além do maior aproveitamento dos recursos humanos é recomendado um aumento da prevenção. É preciso um “esforço mais robusto”. Os elementos da OCDE escrevem que “um número de indicadores preocupantes sugerem uma necessidade urgente de uma melhor prevenção”, no caso, contra o aumento da obesidade nas crianças e nos adultos e dos hábitos tabágicos entre as mulheres.

O dinheiro não parece ser o problema, no caso da prevenção. É reconhecido que a atribuição de 10% do orçamento da Saúde para a promoção de comportamentos saudáveis é “particularmente impressionante num momento em que outros países aparentam estar a cortar os gastos com prevenção”. Mas a ‘saúde’ do orçamento parece ficar só por aqui.

O país dá à Saúde uma percentagem da riqueza nacional um pouco até superior à média dos restantes membros da OCDE, mas gasta menos per capita e com o tratamento de doentes. Os peritos admitem que este facto pode dever-se à eficiência dos cuidados, mas também às dificuldades de acesso, por exemplo à assistência hospitalar.

Só 12% dos idosos dizem estar de boa saúde

Um dos sintomas de falhas nos cuidados prestados pode ser o estado de saúde da população mais idosa. “Preocupantemente, a proporção da população portuguesa com mais de 65 anos que afirma estar de boa saúde é muito baixa, a mais baixa entre todos os países da OCDE”. Em 2011, só 12% dos idosos portugueses sentiam-se bem, quando a média da OCDE era de 42%.

O extenso relatório, com quase 200 páginas, aborda três áreas principais: a organização dos cuidados primários, os cuidados hospitalares e a melhoria da qualidade e da eficiência dos cuidados de saúde no seu todo. Para todos é feito um diagnóstico e uma proposta de tratamento para o que está menos bem.

SNS resiste à crise

No geral, e apesar dos pontos negativos, a conclusão é de que “o sistema de saúde português tem respondido bem às pressões financeiras nos últimos anos, equilibrando com sucesso as necessidades de consolidação financeira e de contínua melhoria da qualidade”. Por outras palavras, “o sistema de saúde português aparenta prestar cuidados de elevada qualidade a baixo custo”.

Ao Expresso, o gabinete ministerial faz uma apreciação positiva do retrato feito pela OCDE. O secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa, salienta: “O relatório é globalmente positivo. Destaca que em Portugal, apesar do contexto de crise económica, a qualidade dos serviços de saúde melhorou. O Serviço Nacional de Saúde tem respondido bem à pressão financeira, conseguindo equilibrar com sucesso consolidação financeira e melhoria contínua de qualidade dos serviços de saúde.”

O governante refere a título de exemplo “as taxas de admissão por condições de saúde que deveriam ser tratadas em cuidados primários, tais como asma, doença pulmonar crónica e diabetes, estão entre as mais baixas da OCDE e a taxa de mortalidade relacionada com doença isquémica do coração sofreu uma das mais acentuadas reduções na OCDE”. Fernando Leal da Costa destaca ainda “reformas estruturais e um conjunto de iniciativas bem concebidas de promoção de qualidade”. Desde logo, “as reformas em torno da compra e utilização de produtos farmacêuticos e dispositivos médicos ou a utilização de fundos públicos para pagar aos prestadores baseando-se cada vez mais sobre a qualidade e a eficiência dos cuidados prestados”.

Equipa ministerial concorda com as notas negativas

Sobre o lado negativo do SNS, o secretário de Estado reconhece que “há trabalho por fazer”. Na sua opinião, são “razoáveis as considerações feitas em termos de algumas demoras médias de internamento, no consumo de genéricos e na redução de variabilidade na prática médica, sendo necessário pôr ênfase na prestação de cuidados em ambientes comunitários e combater as infeções associadas aos cuidados de saúde e a realização de cesarianas desnecessárias”.

E ainda: “Utilizar melhor os recursos humanos, área em que demos passos inéditos importantíssimos, como a criação do enfermeiro de família; e refletir estrategicamente sobre o futuro dos cuidados de saúde primários.” A OCDE recomenda, ainda assim, um pouco mais. A reflexão não chega, é preciso agir.

OUTRAS RECOMENDAÇÕES

Garantir que todas as unidades seguem as boas práticas, por exemplo para minimizar os efeitos adverso após cirurgias
Melhorar a utilização que é feita das apreciações dos utentes e dos médicos, neste caso, para aumentar o envolvimento dos doentes
Aproveitar mais as capacidades existentes nos cuidados primários e na comunidade para reabilitação e assistência aos doentes com alta hospitalar necessitados de acompanhamento continuado
Promover a prestação de cuidados urgentes nos cuidados primários
Aumentar os critérios de desempenho e de qualidade da assistência prestada na atribuição do financiamento aos hospitais
Concentrar cuidados muito diferenciados em hospitais de referência, por exemplo na área da cardiologia
Promover o cumprimento efetivo e uniforme das linhas de orientação clínica
Atribuir às Administrações Regionais de Saúde um papel mais efetivo na melhoria da qualidade dos cuidados

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