HÉLDER CARRASQUEIRA

 Desemprego no Algarve (3)

Colete-de-forças e saídas de médio prazo

O desemprego é como sabemos uma consequência da crise em que vivemos. Começou por ser uma crise financeira, passou à economia e agudizou-se na europa comunitária com os problemas das dívidas soberanas de alguns países. O principal factor que impede países como Portugal de reagir nos termos habituais é a não existência de moeda própria, com a consequente desvalorização da taxa de câmbio, o que tornaria os nossos produtos mais baratos e chamaria fluxos de turistas, pois tudo ficaria mais fácil de adquirir para o exterior.


Ao aderirmos ao Euro perdemos esta prorrogativa. O euro por sua vez, foi construído ao abrigo da teoria das zonas monetárias óptimas, o que obriga as economias dos países a estarem sincronizadas em termos de ciclo económico. E se tal não acontecer? Então, devia haver um orçamento central para se fazerem transferências para as regiões atingidas (investimentos, isenção de impostos, programas de apoio ao emprego e formação, etc). Só que esta parte do edifício do euro não foi construída, não há orçamento com dimensão para este tipo de acção.


Logo, os Estados-membros têm que fazer o ajustamento para voltarem a ser competitivos de forma penosa. Trata-se de cortar custos. Vejamos: Para produzir qualquer produto ou serviço, em regra combina-se trabalho com capital (a uma dada tecnologia e capital humano). Como no capital não é fácil fazer alterações no curto/médio prazo, resta o factor trabalho. Então, é sobre este que recai o ajustamento: flexibilização das condições de trabalho, corte nas regalias sociais, corte nos salários e dispensa de trabalhadores. Ou seja, desemprego para uns e baixos salários para outros.


Este é o enquadramento do Algarve. Podíamos dizer, mas nós, país, temos um orçamento central, podíamos reclamar. Pois podemos se tivermos força política para tal e se orçamento não estivesse capturado pelas regras da troika.


Neste sentido, como referimos em artigo anterior, há vários aspectos da especialização na monocultura do turismo, a crise da construção civil, imobiliária e declínio do comércio, assim como o aumento da população residente na última década em 55 787 (14%), que induziram um maior desemprego face ao todo nacional, numa situação como a actual.


Nesta fase, podíamos apontar o dedo à estratégia de desenvolvimento da região. Porém, não faltam exemplos de opções correctas que foram tomadas, pelo que enveredar pela crítica exacerbada, não me parece o caminho. Isto não nos impede de repisarmos alguns aspectos que ciclicamente são referidos a propósito:


Faltou investimento de dimensão regional ou seja, obras indutoras de desenvolvimento à escala regional. Por exemplo, para além do sol e praia, golfe, restauração e compras, a cultura é um produto de consumo preferencial pelo turista. Ora, não existe um museu regional, num edifício de design, com escala que sirva de âncora (veja-se os casos do Guggenheim de Bilbao ou o museu Marta de Herford); nem se construiu um pavilhão multiusos para congressos, espectáculos, desportos indoor, feiras comerciais ou outros eventos com escala.

 
Outas investimentos que foram feitos como as marinas ou portos de recreio enfrentaram obstáculos de tal ordem que são pequenos, não têm escala, ficam rapidamente esgotados, caros, são não competitivos, não são atractivos, não são âncoras de desenvolvimento.


Falta de organização da sociedade civil em termos sociais. Temos uma miríade de associações sem dimensão e baixo poder reivindicativo que acabam por ter um impacte nulo no todo nacional. Falta ambição das famílias em formarem os seus filhos, em lhes aumentar a capacidade crítica, reivindicativa dos seus direitos e mais cumpridores dos seus deveres, quando comparado com o todo nacional. Falta passar além da taprobana ou seja, passar além do ciclo autárquico e ter no mínimo uma visão regional de projectos que criem desenvolvimento e riqueza. Falta a regionali-zação, dirão alguns.


Vivemos tempos de mudança. Aquilo que eram comportamentos padronizados e zonas de conforto, tendem a ser alterados pela globalização, esse bicho que muitos ainda não se aperceberam, mas que já passa à nossa porta todos os dias. As soluções habituais na resolução dos problemas tendem a não fun-cionar na actualidade pelo que é preciso repensar a forma de comercializar e promover a região.


Sendo o Algarve uma região exportadora, se conseguir atrair turistas do exterior, nomeadamente de mercados que vão contornando a crise, tem boas possibilidades de vir a recuperar mais rápido que outras regiões do país. Nessa altura o desemprego estrutural será o maior problema que teremos de resolver. Entretanto, se olharmos para as estatísticas de evolução da população a nível europeu, constata-se que a Europa é um continente em forte envelhecimento. Logo o subsector do turismo que se me afigura ter mais possibilidades de vir a ser forte no futuro é o turismo re-sidencial. Todos os esforços deviam ser desenvolvidos, numa concertação da região no sentido de se criarem todas as condições para que o mesmo se pudesse cimentar e desenvolver.

*Docente da Universidade do Algarve – ESGHT

 

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2 COMENTÁRIOS

  1. Oportuno discurso académico a necessitar de consubstanciação prática.

    Não são muitos os casos na imprensa regional onde se diafragam as causas, os porquês  e os talvez do ingente momento que a sociedade algarvia vive.

    Topicizaram-se as metástases, importante é debelá-las antes da infecção absoluta.

    O drama realça-se do amalgamado poder decisório estar instalado numa tribuna sem hinterland. Em zona desconhecida – abstracta.

    Enquanto não existir a convergência de vontade unívoca, centralizada em Região, a dispersão de poderes, o nosso maior inimigo – continuará a dividir-nos. 

    A quem convém este estado de coisas, não saberemos encontrar uma razão plausível. Mas não escamotearemos os funestos resultados a continuarmos a viver subjugados por decisões em 2.ª mão. 

    O Algarve precisa de decidir em primeira mão, pela sua própria voz.

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