Com o falecimento do Manero, esvazia-se um pouco mais o balão, que agora mais débil, ainda baloiça no ar…

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Depois do falecimento de Manero, como popularmente era conhecido, só resta vivo, desta grande maré em que se tornou a presença do Lusitano na primeira divisão nacional (cujo sonho, começado duas épocas antes, só terminaria na época de 49/50), o Mestre Germano, o Germano II como era designado quando jogava no Atlético Clube de Portugal, por culpa do Germano I, que mais tarde seria campeão europeu pelo Benfica.

Manero, que não era Manero, antes Raúl das Dores Palma Aleixo nasceu em São João Batista, Beja, a 29 de Novembro de 1930 e faleceu com 86 anos, em Paris, onde residia, desde há três anos com a filha, mas que muitas vezes era designado como Aleixo, nos destaques da imprensa nacional, quando muito jovem assumiu a dianteira do ataque do Lusitano Futebol Clube, então a desfilar entre os grandes do nosso futebol.

Na década de 50 jogou no Lusitano, e foi o marcador de um dos dois golos, com que os pombalinos venceram o Sporting, estávamos a 19 de Fevereiro de 1950 (fez há poucos dias cinquenta e sete anos). O outro golo foi pertença de Pedro, José Maria Pedroto, que sendo miliciano em Tavira, jogava no Lusitano, ao abrigo da lei militar.

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No final da época de 49/50, embora o Lusitano tivesse descido de divisão, Manero ingressa no Benfica, realizando os primeiros treinos em Agosto de 1950, como testemunha a capa do jornal A Bola, de 12 de Agosto de 1950. Aliás, por essa mesma altura, Caldeira, reforçava o Sporting.

Manero, o vila-realense do distrito de Beja permanece três épocas no Benfica, ingressando no Boavista, por troca com Fernando Caiado, onde se manteve até final da época de 1960/1961, deixando posteriormente o futebol, sobretudo nos cenários de maior exigência, e seguindo uma espécie de destino que na época marcava a vida dos portugueses, emigrou para a Alemanha, onde não permaneceu muito tempo, para mais tarde rumar ao Canadá, onde de facto permaneceu algumas décadas, para em meados de 1990, regressar ao solo pátrio e a Vila Real de Santo António.

Recentemente, mais ou menos coincidente com o seu falecimento, surgiu no facebook uma foto do Manero, que integra jogadores do Lusitano, mas que de forma alguma poderá corresponder a uma equipa do Lusitano em qualquer competição oficial, tendo em conta a investigação feita e que aqui soletramos…

Sendo um facto que Ma-nero ingressou no Benfica na época de 49/50, (conforme capa da A Bola, que insiro, chegou ao Benfica em 1950), e que Cavém, que aparece na mesma foto, só representou o Lusitano (na II e III divisões, na época de 50/51 e 51/52, abalando depois rumo à Serra da Estrela e ao Sporting da Covilhã, e que na mesma foto surge Joaquim Reina, que também só jogou no Lusitano nas épocas de 51/52 e 52/53, ingressando depois no Farense, sobre esta foto, esta foto, sendo histórica, não assume qualquer jornada oficial.

Mas voltemos ao Manero, e ao seu estatuto como cidadão, com uma personalidade muito singular, fazedor de amizade, enorme contador de histórias, de histórias suas, que dizia que era de outros, o Manero foi o rei da descrição, da humildade. De uma humildade gigante, pois de cima dos seus quase dois metros, nunca precisou de se por em bicos de pés, para se transformar num ser humano fantástico, aceitando sempre os abraços e os conselhos, daqueles que o rodeavam, mais velhos ou mais novos.

Sempre vimos no Manero uma teia de utopia e de sonho, sabendo como ninguém entrelaçar estas duas imaginárias linhas, onde cultivava o sei próprio rumo, um rumo que fez dele um homem estranhamente sossegado, porque não o demonstrando, tinha sempre em mente retomar as suas viagens: Lisboa, Porto, Alemanha, Canadá, sem deixar de olhar ao longe, como quem procura do último sonho, de abalar em busca do derradeiro destino.

E foi sem surpresas, como quem nunca se cansa de correr atrás dos sonhos, de não deixar que eles acordassem que rumou a França, a cidade luz berço de tantos portugueses, algarvios e vila-realenses. Mas o Manero, não rumava a França como emigrante, rumava como viajante e passageiro da vida, na procura de uma felicidade menos paternalista, que as pessoas que sempre amou de outra forma nunca se cansava de lhe oferecer. Correndo ao encontro de outros afectos e ali ficar sentado no muro da paz.

Não vão caber aqui todos os nomes, nem no acaso de um texto de meia dúzia de linhas ficará alguém de fora, pois a família, toda a ela, irmãos (ainda escuto o bater do coração da Eduarda) sobrinhas, sobrinhos, sem se classificar esta ou aquela geração, todas e todos amaram o Manero, e o Manero via em cada uma delas ou delas, um filho ou uma filha, oferecendo-lhes a riqueza humana com que sempre esteve na vida.

Conheci bem o seu irmão Gil, também Manero, lá para os lados de Beja, funcionário a Ford, que foi meu treinador, imagine-se no Despertar de Beja, em meados de 1966, quando estive em Beja no então RI3, e embora mais tarde regressasse a Tavira jamais perderia de vista a amizade com o Gil. O mesmo acontecendo ao Zé Eduardo, também Manero, com que estudei no Externato Nacional, e o que ríamos com os testes de matemática do Professor António Rosa, que tinha dias, em que metia o giz na boca em vez do cigarro. Sim o Professor António Rosa, fumava nas aulas…

A irmã Eduarda, que me ensinou a crescer. Que sendo eu um rapazote, lá ia como jovem funcionário público cansado de funcionar, à Tesouraria da Fazenda Pública receber o seu ordenado, acumulando uma gorjeta…

Mas foi na estupenda e eterna relação de amizade, amizade suprema com o Fernando Reis e a Luísa Travassos, as almas mater deste jornal, que apreciei mais de perto o carácter humanista e de humildade de Raúl Manero, nas vezes, nas muitas vezes que nos cruzámos e foram tantas, em casa do Fernando, à mesa, entre carapaus alimados e umas peles de atum, com as «moças» do Fernando e da Luísa, que para o Manero eram filhas…

Muito recentemente, se calhar numa espécie de luta contra o tempo, abalou para França, repetimos, porque um homem nunca deixa de sonhar, correndo muitas vezes atrás de si próprio. E em França, na Cidade Luz das paixões, se reencontrou com o amor, com a outra família que sempre, mes-mo distante, procurou amar, e que foi uma espécie de um reencontro, com uma espécie de bela jangada por onde tinha navegado a sua vida. E de França, vinham sempre boas notícias (o Manero também nunca foi homem de se queixar)… até, há poucos dias, quando chega a notícia do seu falecimento.

O Manero eram um homem íntegro, bondoso, e foi sempre um atleta extraordinário, a quem pessoa alguma apontou o dedo, e que leu no dia a dia do Manero, o reflexo autentico, uma espécie de felicidade única, de contrastando com a vontade de nunca parar de sonhar, e ter feito da vida aquilo que quis. E fê-lo sem magoar ninguém.

Manero fez da vida aquilo que quis e teve sempre a âncora enorme, humana, fraterna, solidária da mana Eduarda e não só, da Luísa, da Amélia, do Eduardo, do Fernando, e outros cujos nomes estão em-bandeirados em todos os outros, porque, só quem não lidou com o Manero, nunca descobriu a sua simplicidade, a sua classe, o seu charme, a sua elegância, o seu sentido de vida. Vida pura, sem barreiras, sabendo construir os seus próprios terrenos que depois pisaria e percorreria sem incomodar ninguém…

Creio, que mesmo agora, na hora em que se finou, ou depois, quando as suas cinzas, bem breve chegarem a Vila Real de Santo António, acredito, que o céu de quando em vez pálido voltará a brilhar, no reencontro com uma grande estrela, pintada de lealdade, serenidade, risos. E que lindo riso tinha o Manero, feito de gargalhadas de esperança, que foi moldando sempre esta fantástica enorme figura, da qual, imagine-se Vila Real de Santo António raro se lembrou assim tantas porque discreto… pouco se importava …com os mangas de alpaca… que vegetavam… em nome das suas próprias glórias.

Com o falecimento do Manero, esvazia-se um pouco mais o balão, que agora mais débil, ainda baloiça no ar, e que nos traz à memória homens e momentos de grande generosidade, de uma terra, que jamais poderá cortar as pontes do passado, para que se torne cada vez mais obrigatório, que os meninos de agora, não tenha medo de armazenar como teias do conhecimento a força e a razão da nossa identidade, pois só assim teremos mais tempo para a conspiração e inspiração do conhecimento, em vez do gladiar constante de uma sociedade que não se reconhece a ela própria.

Breve Manero regressará à terra, transformado no pó das cinzas, o que será determinante, para que Vila Real de Santo António e velho e centenário Lusitano Futebol Clube, o recordem e memorizem para a eternidade.

Neto Gomes

 

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1 COMENTÁRIO

  1. Excelente artigo numa homenagem, que segundo as palavras do autor sera mais do que merecida, aum Alentejano que percorreu o Mundo sem esquecer o seu Lusitano de Vila Real de Santo Antonio

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