CANELA mais FINA: Ponto de interrogação invertido (¿)

Opinião de Luigi Rolla

Como noutros idiomas, também no espanhol, o ponto de interrogação era colocado no fim da frase interrogativa. Foi em 1754, quando na segunda edição da Real Academia de la Lengua, tornou-se regra iniciar as frases interrogativas com um ponto de interrogação invertido e terminar com o comum ponto de interrogação, o mesmo acontecendo com o ponto de exclamação.

«Foi a falta de solidariedade que fez na Europa 18 milhões de desempregados, ou eles são tão-somente o efeito mais visível da crise de um sistema para o qual as pessoas não passam de produtores a todo o momento dispensáveis e de consumidores obrigados a consumir mais do que necessitam?» (Texto de José Saramago)

«Ora, como é que se explica que este pensamento filosófico, assente com tanta profundidade lógica, rico de verdade irresistível, harmonioso e com simpatia pela concreção, a paixão, a imaginação e a história, tenha parecido, pelo contrário, e tenha sido condenada como abstracto, intelectualista, cheio de arbítrio e de artificio; como o oposto, em suma daquilo que quer ser?» (Tradução do texto em italiano da “Filosofia de Hegel de Benedetto Croce, feita por Vitorino Nemésio em 1933)

Os dois trechos atrás reproduzidos estão redigidos na forma interrogativa e como tal finalizam ambos com pontos de interrogação.

Estou certo que vós, tal como eu, ao lê-los, só nas últimas palavras e perante o ponto de interrogação, haveis-vos dado conta que era uma pergunta e como tal só no final haveis dado uma entoação “de interrogação”. No entanto no segundo texto, Vitorino Nemésio, no original, intercalou um ponto de interrogação invertido entre a palavra “Ora,” e a palavra “como”, permitindo ao leitor, entoar a frase na interrogativa logo desde o início. (NdA: Retirei propositadamente o ponto de interrogação invertido inicial).

Eu gosto de usar o ponto de interrogação invertido, exactamente pela razão que atrás tento explicar, no entanto os filólogos e os puristas dizem que este sinal de pontuação é arcaico e só é usado no idioma espanhol. Se assim é, há mais uma coisa que invejo em nuestros hermanos. E temos que concordar que eles têm razão, porquanto o sinal de interrogação invertido – colocado no início das frases, principalmente quando longas, permite-nos perceber imediatamente que a frase que estamos lendo é uma pergunta, permitindo-nos também, darmos a entoação devida, especialmente se tivermos de lê-la em voz alta para alguém.

E assim, enquanto nós, na frase: «Ainda que não possas ir com eles, queres ir connosco?», só pomos o ponto de interrogação no final, eles (os espanhóis), escrevem: «Aunque no puedas ir con ellos, ¿quieres ir con nosotros? », intercalando o ponto de interrogação invertido antes da palavra “quieres”.

O mesmo não acontece no francês, onde uma frase interrogativa e a mesma frase na afirmativa têm grafias diferentes, como por exemplo:

– Vous êtes un idiot. (afirmação)

– Êtes-vous un idiot. (interrogação)

O mesmo já não acontece no português, porquanto, se eu escrevo “você é um idiota”, tenho que usar o sinal de pontuação adequado para dar o tom à frase, classificando-a como interrogativa ou afirmativa. E uma coisa é eu perguntar se você é um idiota, e outra completamente diferente é eu afirmar que você é um idiota…

Dado que agora existe um Acordo Ortográfico, em que cada um pode escrever como lhe aprouver, espero que os puristas e os filólogos me perdoem, mas eu continuarei a usar o ponto de interrogação invertido sempre que me der na “Real” gana e sempre que os sistemas operativos o permitam.

Perdoai a minha imodéstia… mas Paul Claudel (pseudónimo de Louis Charles Athanaïse Cécile Cerveaux Prosper, diplomata, dramaturgo e poeta francês, membro da Académie française) disse uma vez: «Os grandes escritores não são feitos para se submeterem à lei dos filólogos, mas para imporem a lei deles».

P.S.: – Comemoro o dia Imprensa Regional (30.IV) com humor:

«Um militar de férias, estava de visita ao jardim zoológico do Rio de Janeiro, quando vê uma menina aproximar-se perigosamente da jaula do leão e este, rapidamente, agarra-a pela manga do casaco tentando metê-la na jaula. O militar corre para a jaula, acerta um forte murro no leão, que saltou para trás largando a menina. O valente militar entregou-a incólume aos pais aterrorizados.

Um jornalista que assistira à cena dirige-se ao militar:

– “Senhor, foi a atitude mais nobre e corajosa a que eu jamais assisti!”

– “Não foi nada. O leão estava enjaulado, a menina corria perigo e eu achei que era a coisa mais acertada a fazer”.

– “Eu gostaria de narrar este feito no meu jornal, se não se importa. Apenas para completar a notícia, qual é a sua profissão e posicionamento político?”

– Sou paulista, sou militar, nas últimas eleições votei contra a Dilma e estou a desfrutar de uns dias de férias aqui no Rio.”

– “Veja amanhã a primeira página…”.

No dia seguinte, o militar leu, com espanto, na primeira página do jornal o título da crónica em letras garrafais: «Radical de extrema-direita, ligado à ditadura militar, agride a soco um indefeso imigrante africano e rouba-lhe o almoço.»

Luigi Rolla

 

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