Cada vez há mais espécies “invasoras” no rio Guadiana

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Viajam milhares de quilómetros, ainda na forma de larvas, na água de lastro dos navios. Amêijoas e camarões da Ásia, corvinas da América do Norte e também alforrecas, são algumas das espécies que se estão a instalar no rio Guadiana. A investigadora Alexandra Teodósio, do CCMAR, explica que a propagação destas espécies ameaça as espécies locais, mas sublinha que a captura e comercialização pode ajudar a controlar a sua densidade e representar uma oportunidade em termos económicos

DOMINGOS VIEGAS

Os pescadores que exercem a sua atividade no Guadiana e os investigadores do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve voltaram a ficar surpreendidos com mais uma descoberta no estuário daquele rio. Desta vez foram capturados exemplares de caranguejo-azul (Callinectes sapidus), também conhecido como siri, e que é originário da costa leste do continente americano.

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Os primeiros foram capturados no passado mês de julho e, posteriormente, foram detetados ainda mais ao longo do mês de agosto. Recentemente também já tinham sido capturados no estuário do rio Sado vários exemplares daquela espécie, que tem um grande valor comercial nas suas zonas de origem, o que leva os investigadores a suspeitar que o caranguejo-azul estará numa fase de expansão na costa portuguesa. Alguns pescadores já provaram e garantem que “é muito bom”.

Mas há mais espécies originárias de zonas longínquas que têm surgido nos últimos anos no estuário do Guadiana. Mais de uma dezena. Entre estas estão a corvinata-real, ou rainha, originária da América do Norte, descoberta no verão do ano passado por um pescador de Vila Real de Santo António, camarão e amêijoa asiáticos, estas últimas encontradas pela primeira vez há cerca de 17 anos, bem como diversas espécies gelatinosas (a maioria alforrecas), sem grande valor comercial no nosso país.

Alexandra Teodósio, investigadora do CCMAR, explica que estas espécie chegam às nossas águas “ainda na forma de larvas, nas águas de lastro dos navios” e que “quando encontram boas condições, acabam por se reproduzir”. O facto de surgirem, principalmente, nos estuários do Guadiana e do Sado também tem uma explicação: “São zonas que estão muito próximo de áreas com grande tráfego de navios. No caso do Guadiana é a proximidade com as rotas marítimas de entrada e saída do Mediterrâneo, por onde passam embarcações que navegam entre continentes”.

De ameaça a oportunidade para a pesca

Um dos perigos apontados pelos cientistas, em relação à presença destas “novas” espécies, tem a ver com o facto de não terem predadores naturais na nossa costa e poderem, ainda, representar uma ameaça para as espécies locais. Porém, ao mesmo tempo, também podem transformar-se num novo recurso económico para a pesca do país e da região.

“Trata-se de espécies refugiadas, mais do que invasoras, porque, provavelmente, estão à procura de outros locais para poderem continuar a reproduzir-se, já que começam a deixar de ter condições nas suas zonas de origem. As que têm valor comercial, como é o caso do caranguejo-azul ou da corvinata real, podem ser um exemplo de como uma ameaça pode transformar-se numa oportunidade de exploração”, considera Alexandra Teodósio.

Aquela especialista explica que “uma vez que estas espécies não têm cá predadores naturais, a sua pesca contribuirá para o controlo da sua densidade, ao mesmo tempo que aliviará a pressão de exploração em muitos dos nossos recursos pesqueiros tradicionais, como por exemplo a sardinha”. No entanto, Alexandra Teodósio frisa que “é preciso investigar mais, antes de começar a explorar estas espécies”.

Aliás, a investigadora coloca a tónica, precisamente, na questão, e na necessidade, da investigação científica: “Muitos recursos estão em declínio e é preciso começar a pensar em alterar os nossos hábitos. As tentativas para eliminar espécies invasoras raramente têm bons resultados. Por isso, o melhor é adaptarmo-nos a elas e consumi-las. Mas é preciso realizar mais estudos para perceber se a sua exploração é possível no futuro”, reforça.

Para já, as espécies invasoras que se têm reproduzido de forma mais rápida no estuário do Guadiana são as gelatinosas (alforrecas), as quais não têm qualquer valor comercial no nosso país. E até já começam a representar um sério problema. “Estes organismos gelatinosos são, até agora, os mais problemáticos. Têm uma fase da sua vida que é passada no fundo e acabam por entupir todo o tipo de tubagens e canalizações, por exemplo os de rega, na agricultura”, explica Alexandra Teodósio.
Apesar daquelas espécies gelatinosas não possuírem interesse comercial em Portugal, nem na maioria dos países da Europa, algumas delas têm muita procura em países da Ásia, na Austrália e na Nova Zelândia.

Os investigadores do CCMAR garantem que estão “sempre dispostos a colaborar” com a sociedade na resposta às suas questões ecológicas, mas também no desenvolvimento de parcerias tecnológicas e científicas com qualquer setor da indústria pesqueira. No mesmo sentido, também já estão a ser estudadas novas alternativas de consumo das “novas espécies” com chefes de cozinha de restaurantes algarvios.

(Reportagem publicada na edição impressa e semanal do Jornal do Algarve de 05/10/2017)

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