AVARIAS: O problema das dobragens

Opinião de Fernando Proença

 

Andar por Espanha e ver televisão, nem que seja só por breves momentos, continua a ser uma experiência radical. Vemos um noticiário, é tudo em Espanhol e ninguém desconfia. Vejo um jogo de futebol do campeonato é tudo em espanhol e estará bem, porque ao menos percebe-se o que dizem, ao invés dos comentários no futebol português. Vê-se publicidade e é tudo em espanhol, bem menos bilingue que a portuguesa. Olhamos os desenhos animados e está tudo em espanhol. O problema é que depois vemos uma série ou um filme norte-americanos e tudo me parece a publicidade em espanhol que acabei de ver antes, porque o filme está dobrado, exactamente pelas mesmas pessoas que fizeram a publicidade.

Historicamente podem-se encontrar razões que explicam as dobragens dos filmes: o baixo nível de escolaridade de um povo e talvez a superioridade moral dos actores que dão voz às dobragens, sobre os legendadores (que é uma mistura entre uma pessoa que legenda um filme e um lenhador). Ou seja, basicamente é uma questão de emprego. Depois será a história a fazer o seu percurso: se existe uma grande pressão da parte dos actores (lobby em português corrente), para trazer mais ovelhas para o redil da dobragem (salvo seja) a fim de aumentar o seu poder, então esse mesmo poder ir-se-á consolidando, empurrando quem legenda para o grande buraco do olvido.

Tenho tudo contra as dobragens. Mesmo os desenhos animados deviam ser dobrados os que se destinam para consumo de putos até cinco anos. Tem cinco anos e três quartos e não sabe ler?, paciência esforce-se um pouco, para a próxima será pior. Tenho visto filmes já para gente grande, estilo violenta (pequena piada a abusar de um trocadilho), dobrados. Para quê? Já são grandes para verem cenas de faca e alguidar, coisa absolutamente corrente nas novelas sul-americanas, mas ainda são pequenos para lerem legendas? O grande problema está no entanto nos filmes para gente grande. Um actor é muito mais do que cara e corpo. A voz, a forma como a coloca, o tom, tudo o que usa como arma na interpretação, conta. A própria pronúncia, se é inglês se norte-americano, francês tudo entra. O espanhol em causa não se apercebe das nuances da coisa, mais uma vez paciência! Mas não perde nada, vai aprendendo a distinguir os pormenores que fazem uma língua e um dia pode ser que o ajude a entender o que um português lhes diz. Eu sei que as dobragens não são as únicas culpadas da falta de ouvido que os nossos vizinhos têm para as línguas, mas era capaz de os ajudar um pouco que ouvissem umas coisas diferentes. E as vozes senhor? Por que carga de água a voz de tantos estrangeiros, se resume a quatro ou cinco castelhanos de variegada cepa? Não lhes faz confusão? Nunca experimentaram vir a Portugal, olhar para as nossas legendas e entenderem que eles podem ter bom presunto mas que nós tratamos muito melhor o cinema dos outros? Tratar bem o cinema dos outros não é uma autoestrada para o fazermos bem por cá. Mas não se pode ter tudo, já lá dizia o velho Herodes.

Fernando Proença

 

 

 

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