Estou frente à televisão de uma forma intermitente, o que se coaduna com o estado do tempo (mau) no momento em que lhes escrevo esta breve missiva. Quero dizer, com estas palavras, que prefiro ver o estado das barras e portos, pela TV, que ir tirar fotos, correndo o rico de apanhar com uma onda de quinze metros em cima. E eu que nem sequer tiro fotografias. Não tiro fotografias mas tenho visto algumas transmissões, meias transmissões a apontamentos de reportagem sobre provas desportivas. Por exemplo na meia maratona de Lisboa, quando dei por mim iam dez africanos e oito africanas (Quénia; Eritreia; Etiópia e mais uns trocos) a correr na frente e nas calmas. Outros, de segunda ou primeira bê (Marrocos etc.) vinham para aí um quilómetro atrás e o resto do granel – dos que contam – dois quilómetros ainda mais atrás. Não sei o que os tugas (e outros europeus) fazem nestas coisas da resistência, mas a julgar pelos resultados que conseguem, deviam dedicar-se antes, à agricultura ou apanha de bivalves em meio aquático. No meio de todos aqueles que vinham a passo e semipasso, acompanhando a procissão dos que entram na meia maratona para luzir um extraordinário lenço da empresa patrocinadora do evento, seguia quem segurava uma bandeira da…”Ferrari”: o que faz um maduro, no meio de uma maratona, meia maratona ou quarto de maratona empunhar uma bandeira do construtor italiano? Será um transalpino tresmalhado ou um português que não sabe como há-de ser visto no meio daqueles não sei quantos mil? Lembram-me aqueles palhaços que, em França, tudo fazem para aparecer nas reportagens do “Tour”, disfarçados de heróis da “Marvel”, “Heidi” e “Bob o construtor”. Aparecer na televisão é hoje ponto de honra.
Também tenho reparado na cada vez maior utilização da palavra “interessante” para designar o que nos meios desportivos não é bom nem mau, antes pelo contrário. Serve para o atletismo, para o futebol e para – em geral- tudo o que mexa, desportivamente falando. Qualidades como, razoável; bom; muito bom; seguro; sólido, deixaram de ser citados, para apenas existirem, grandes craques, jogadores magníficos e na escala oposta, falhados e pernas de pau. Todos os outros (a grande maioria) são apenas “interessantes”. Foi descoberta a fórmula de total descomprometimento dos comentadores. Ser “interessante” pode dar em muito ou nada, dependendo das circunstâncias, da conjuntura de chover ou fazer sol. Ninguém poderá dizer que um iluminado das nossas televisões viu mal o futuro de um determinado atleta, que depois de muito prometer acabou nos regionais. Afinal ele não passava de ser um defesa central “interessante”.
Na manhã em que escrevo estas linhas, desespero por encontrar uma notícia, num dos canais criados para o efeito, sem ter que levar com a Assunção Cristas e o seu protegido Nuno Melo. Parei o dedo no comando quando cheguei ao CMTV, que noticiava no momento, um assassínio numa localidade do norte. A ideia que tenho é que, para a CMTV transmitir em directo o congresso do CDS, tinha que haver um atentado à vida de um participante ou o resultado brutal da dança da chuva, que Assunção Cristas tinha sugerido quando era ministra da agricultura, com cheias e aquela gente toda a ser levada na enxurrada. E não é que seria “interessante”?
Fernando Proença