As greves dos médicos

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Colaboradora. Designer.

Perspetiva-se uma nova greve de médicos e creio acreditar que muito boa gente já terá, apesar de tudo, percebido que os médicos só fazem greve em última instância. Ser médico e fazer greve não é fácil. Em minha opinião e embora o entenda (as coisas estão todas ligadas) nunca deveriam fazer greves por motivos de natureza estritamente económicas ….
Os médicos vivem em comunhão diária com os doentes (que não utentes) e nunca fará sentido deixá-los sem tratamento ou apoio … até porque terão sempre que voltar a lidar com os seus doentes e sabem melhor que ninguém que se não houver confiança e empatia o ato médico não se cumpre. As raras greves dos médicos são desencadeadas, fundamentalmente, por dois motivos principais e foi isso que quiseram e querem dizer à população em geral:
– Alertar para um SNS sem condições de sobrevivência nos moldes atuais… o que equivalerá a que grande parte da população venha, de uma forma progressiva, ficando sujeita a uma pior assistência senão nenhuma assistência médica. Este o motivo principal por muito que custe a alguma imprensa e comentaristas ditos de “opinion-makers” que infelizmente e não por acaso continuam a perorar nas nossas televisões e “ newspapers” bem como aos “adventistas” da medicina privada (que, diga-se desde já, é legítima e pode e deve ter o seu papel mas sempre em complementariedade com o SNS, ou melhor, apenas para quem pode … e nunca à custa do estado).
– Em segundo lugar porque é sabido há muito e evidente não ser possível exercer medicina de qualidade e numa perspetiva dinâmica num qualquer SNS condicionando os técnicos e em particular os médicos sem a autonomia necessária e a capacidade decisória imprescindível. Aliás, se assim não for com que direito e por quem será possível responsabilizar os médicos?
Não é possível exercer medicina responsabilizada e assumida numa perspetiva ética sem que seja facultada toda uma capacidade decisória inerente â sua funcionalidade. O mesmo se passa em relação aos profissionais de justiça ou das forças armadas ….e, não entender isto … é não entender nada .
É curioso que em tudo que cheire a privado ou a lei do mercado, o estado (leia-se governos) não interferem limitando-se a saldar as contas… Porem, no que diz respeito ao funcionamento interno dos hospitais ou dos centros de saúde subverte tudo que é capacidade decisória relativa à orgânica dos serviços chegando ao ponto de interferir no ato médico inclusive numa pretença e puramente economicista atitude terapêutica.
Difícil idealizar melhor forma de “pôr a andar” os melhores e mais conscientes médico e restantes profissionais de saúde do SNS.
Mas há muito mais… Há médicos diferenciados com carreira hospitalar em dedicação exclusiva com mais de vinte anos de trabalho que viram reduzido em mais de 20% o seu vencimento. Isto brada aos céus!!! Porém, de longe, a problemática mais grave e acintosa prende-se com as carreiras médicas que muito antes do 25 de Abril já haviam sido definidas e tidas sem margem para qualquer dúvida para que qualquer hospital digno de esse nome pudesse não só cumprir as suas funções dia a dia mas também orientadas para o futuro. O recurso a médicos contratados a empresas privadas para o SNS raia o inconcebível …é inadmissível e vai ao ponto de permitir vencimentos claramente superiores aos dos médicos hospitalares em dedicação exclusiva inclusive diretores de serviço. Se tudo isto – e muito mais haveria a acrescentar – tivesse sido implementado e concretizado apenas “porque tinha que ser “…que Deus nos perdoe. Mas … não posso deixar de ver aqui mão de um qualquer bando de vampiros mais ou menos anémicos!!!
Tudo se condicionou e implementou passo a passo para que o tal SNS melhor do mundo fosse morrendo e a dita de medicina privada florescendo. Caríssimos estamos a falar de biliões… não de mais meia dúzia de euros que o erário público gaste com os vencimentos dos médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde. Estamos, em última análise, a decidir haver quem tenha ou não direito à saúde em tempo útil.
Este artigo é escrito para esses que estão no fio da navalha e com quem contacto quase todos os dias.
Que não restem dúvidas. O SNS só poderá ser defendido e eventualmente melhorado se tomarmos consciência (todos) do que continua a agravar-se diariamente, o entendamos e nos mobilizemos denunciando o que se vem passando e juntando forças de molde a pressionar quem de direito a tomar medidas e … repito não só nem prioritárias economicistas …mas com coragem para – o que creio não ser impensável – repor o SNS nos carris que presidiram ao seu nascimento. Caso contrário, e como já vem acontecendo, o fosso entre uma saúde para ricos e outra para pobres ir-se-á alargando.
É apenas mais um apelo aos partidos que se esforçam por entender toda esta complexidade e não a reduzem a uma maior ou menor fatia do orçamento do estado. Para isso é fundamental quem saiba… tenha sido formado e conheça todos os meandros do SNS. Infelizmente, ano após ano, os curioso-partidários vão ocupando lugares de decisão … e o resultado está à vista. Têm toda a razão os médicos e outros profissionais de saúde e seria fundamental que se entendesse que o cerne do problema não está em “ganhar” mais alguns euros ….

*Presidente da Direção da A.E.D.M.A.D.A. (IPSS – área da saúde) Diretor Clínico da Clínica de Diabetes da A.E.D.M.A.D.A.

Eurico D. Gomes

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