À descoberta das lendas do Algarve

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A lenda das amendoeiras em flor é uma das mais conhecidas da região. As ilustrações do livro são do artista plástico louletano Ricardo Inácio

O Algarve é uma região rica em lendas e “muitas dessas histórias têm o seu quê de verdade”. A opinião é do jornalista algarvio Fernando Santos Graça, que reuniu as 50 lendas mais marcantes da região no livro ‘Lendas Algarvias’. A maioria das lendas remonta aos tempos da ocupação árabe e “combina factos reais e históricos com factos irreais, e que são meramente produto da imaginação popular”. Ainda assim, o autor do livro salienta ao JA que “estas lendas estão intrinsecamente relacionadas com a história da região e até com nossa própria identidade cultural”. Por isso, considera que são “uma das mais ricas heranças culturais herdadas dos nossos antepassados”

Numa região com séculos de história como o Algarve, há sempre histórias que ficaram por contar, segredos nunca antes revelados e mistérios por desvendar. No caso da região algarvia, torna-se evidente que a ocupação árabe fomentou a imaginação popular ao longo dos séculos, com histórias de míticos tesouros e palácios encantados, assim como de “princesas loiras”.

Nesse sentido, o jornalista Fernando Santos Graça e o artista plástico Ricardo Inácio, ambos naturais do concelho de Loulé, decidiram recriar as tradicionais lendas da região no livro ‘Lendas Algarvias’. A obra foi apresentada no passado dia 22 de setembro, em Olhão.

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Em declarações ao JA, Fernando Santos Graça, confesso amante da história local e das nossas tradições, explica que esta obra reúne “50 lendas representativas dos dezasseis concelhos algarvios, sendo que duas delas são extensivas a toda a região: a lenda das amendoeiras em flor e a lenda da moura dos pés descalços, que se conta em vários pontos da serra algarvia”.

O autor refere que a lenda das amendoeiras em flor – porventura a mais carismática da região – conta “uma linda história de amor, vivida entre uma bela princesa do norte da Europa e de um rei mouro, que teve um feliz e encantador enlace final graças à floração das amendoeiras mandadas plantar por aquele, para que a princesa se curasse da nostalgia das neves do seu país”. É caso para dizer: e viveram felizes para sempre…!

No imaginário da população algarvia está também a lenda da moura dos pés descalços, que saltou para dentro de um poço à procura dos seus sapatos, quando guardava consigo um grande tesouro de esmeraldas. Diz-se que, nas manhãs de São João, ainda é possível ver os sapatos verdes no fundo do poço, esperando pelo regresso da sua dona. E há quem continue com esperança de encontrar as esmeraldas no fundo de um qualquer poço algarvio…!

As lendas mais marcantes de cada concelho

Mas estas são apenas duas das cinquenta lendas que constam neste novo livro. Muitas outras ficaram de fora, devido à grande quantidade de material que o autor e o ilustrador Ricardo Inácio recolheram no último ano. “No Algarve existem centenas de lendas, classificadas em várias categorias. Lembro, por exemplo, que os concelhos de Loulé, Silves, Tavira, Vila Real de Santo António e Olhão são cenários de dezenas de lendas”, adianta, acrescentando que nesta obra “procurámos explorar e ilustrar as lendas mais marcantes e contadas em cada concelho, e diversificá-las pelas suas freguesias”.

Entre os mitos e lendas que mais o tocaram, Fernando Santos Graça destaca a lenda da moura Cássima, que está relacionada com a conquista de Loulé aos mouros, pelos cavaleiros de D. Paio Peres Correia e do rei D. Afonso III, em 1249. “É uma lenda fascinante e já adaptada ao teatro. Já foi contada em vários palcos da região algarvia”, frisa o jornalista louletano.

Reza a lenda que quando o castelo de Loulé foi reconquistado aos mouros, o alcaide e o seu povo fugiram para Quarteira e aí foram de barco para Tanger (Marrocos). Mas antes de fugir, o alcaide “encantou” as suas três filhas numa fonte, para que, quando regressasse, pudesse vir buscá-las sãs e salvas.

“Muitas das histórias têm o seu quê de verdade”

Além destas, o autor de ‘Lendas Algarvias’ realça que existem muitas outras que “despertam muita atenção a quem as lê”. É o caso da “lenda da Praia da Rocha, da tomada de Faro aos mouros, dos corvos de S. Vicente (Vila do Bispo), da Mãe Soberana de Loulé, do rio Gilão, da moura de Albufeira ou da moura do castelo de Tavira”.

E será que, depois de reunir todo este material, o autor do livro acredita nestas lendas? “Uma lenda é uma narrativa fantasiosa transmitida pela tradição oral, de geração para geração, ao longo dos séculos. Muitos pesquisadores afirmam que as lendas são, apenas, fruto da imaginação do povo, rodeadas de histórias fantásticas ou fictícias. Contudo, elas combinam factos reais e históricos com factos irreais, e que são meramente produto da fértil imaginação popular”, começa por explicar Fernando Santos Graça.

Posto isto, o jornalista algarvio salienta que “as lendas podem ter um significado verdadeiro, a julgar pelos muitos registos deixados pelos cronistas medievais, sobretudo a partir da reconquista do Algarve aos mouros”.

“Se algumas delas não passam de meras historietas, onde as mouras, mouros, mourinhos e cavaleiros cristãos são os principais protagonistas, acredito que muitas dessas histórias têm o seu quê de verdade”, sublinha, frisando que “algumas delas estão intrinsecamente relacionadas com a história da região e até com a nossa própria identidade cultural, e isso não podemos escamotear, nem subestimar”.

Herança cultural reunida em coleção “única e inédita”

O livro ‘Lendas Algarvias’ será a primeira obra de um conjunto que os autores estão a ultimar, e que pretendem reunir as lendas dos vários municípios algarvios. “Estamos já a trabalhar na edição dos livros de lendas ilustrada sobre os dezasseis municípios, de formato A5. Tratam-se de livros colecionáveis, ou seja, que vão ser parte integrante de uma coleção – única e inédita – que estamos a preparar de forma a enriquecer as bibliotecas municipais e escolares da região, bem como arquivos e centros de documentação”, refere ao JA Fernando Santos Graça, acentuando que este projeto visa “a promoção e valorização do património cultural, assim como a salvaguarda de uma das mais ricas heranças culturais herdadas dos nossos antepassados”. Além disso, é uma obra que servirá também para transmitir esse património às gerações vindouras.

“Este nosso projeto visa essencialmente dar continuidade ao trabalho anteriormente encetado por diversos investigadores e historiadores, nomeadamente Francisco Xavier d’ Athaíde Oliveira, que realizou uma notável investigação, perpetuada em muitos dos seus escritos e livros, que dão corpo ao Centro de Estudos Athaíde Oliveira (CEAO), centralizado na Universidade do Algarve. E, desta forma, fazer com que este legado não caia em esquecimento”, remata Fernando Santos Graça.

O livro, para além de reunir cinquenta lendas algarvias, também é composto por 50 ilustrações inéditas da autoria de Ricardo Inácio. A obra é prefaciada pela diretora regional de Cultura do Algarve e contou com o apoio oficial da Direção Regional de Cultura do Algarve, Turismo do Algarve e Águas do Algarve.

(NOTÍCIA PUBLICADA NA EDIÇÃO DO JORNAL DO ALGARVE DE 28 DE SETEMBRO)

Nuno Couto | Jornal do Algarve

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